A Inquisição no Brasil

sábado, 13 de setembro de 2008


A Inquisição no Brasil
por D. Estevão Bettencourt, osb em 10 de julho de 2004

Resumo: A Inquisição no Brasil foi extinta em 1774 quando o Santo Ofício foi oficialmente transformado em tribunal régio, sem autonomia ou completamente dependente da Coroa.

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No Brasil nunca houve tribunal do Santo Ofício ou da Inquisição. O país achava se sob a competência do tribunal de Lisboa. Durante o século XVI, a Inquisição agiu discretamente. São conhecidos três processos e uma visita do Santo Ofício, sem graves conseqüências. Misturavam se, às vezes, fatos reais de índole religiosa ou político social com faltas graves aparentes ou supostas ou tendências perniciosas no campo religioso e social. A Inquisição no Brasil foi extinta em 1774 quando o Santo Ofício foi oficialmente transformado em tribunal régio, sem autonomia ou completamente dependente da Coroa. A Inquisição de Portugal contava três distritos: Évora, Coimbra e Lisboa, tendo este a jurisdição sobre o Brasil. Seja brevemente examinado o seu funcionamento no Brasil.

1. Século XVI

Como a Inquisição no Brasil estivesse sob a jurisdição do Tribunal de Lisboa, não houve na colônia, em nenhuma época, um tribunal próprio. Assim sendo, os processos eram levados para a Corte. No Brasil, os Inquisidores eram os Bispos. Mas, visto o grande número de novos convertidos, foi nomeado Inquisidor Apostólico D. Antonio Barreiros. Seus poderes limitavam se aos cristãos novos; era lhe recomendado usar de prudência, moderação e respeito. A ação do Santo Ofício foi discreta, sendo conhecidos três processos e uma visita do Inquisidor de Portugal.

1.1. Os Processos

a. Processo de Pero de Campo Tourinho, donatário da capitania de Porto Seguro, acusado de opor se ao clero e ao Papa, e de desrespeitar as leis da Igreja. O processo iniciou se no Brasil (1546) e terminou em Lisboa (1547). Não se sabe a conclusão. Supõe se que o acusado tenha sido absolvido.

b. Processo de João de Bolés (Jean Cointha, seigneur des Boulez), francês que viera com Villegaignon. Em 1557 começou a difundir doutrinas calvinistas e luteranas em São Paulo e depois na Bahia. O processo, iniciado no Brasil (1560), foi levado a Portugal, tendo João de Bolés lá chegado em 1563. Retratou se, mas pouco depois começou novamente a difundir suas idéias, sendo então desterrado para as índias, onde foi condenado à morte, em 1572, como relapso e herege.

c. Processo do Pe. Antonio de Gouveia. Oriundo dos Açores foi ordenado sacerdote em Portugal. Em 1555 entrou na Companhia de Jesus, sendo dela despedido tempos depois. Deu se a necromancia e, por isto, foi acusado no Tribunal da Inquisição. Preso, fugiu em 1564. Recapturado, foi degredado para os Açores. Tendo novamente fugido, foi descoberto de 1567 e desterrado para Pernambuco. Aqui conseguiu uso de ordens, mas, continuando as atividades mágicas, foi preso e enviado ao Santo Ofício de Lisboa, embarcando em 1571. Em 1575 seu processo continuava, mas a partir desta data nada mais se sabe dele.

1.2. A primeira visitação do Santo Ofício

De 1591 a 1595 deu se a primeira visitação do Santo Ofício ao Brasil. A causa próxima foi a passagem da Colônia ao domínio espanhol em 1580. Como o rei da Espanha possuísse idéias mais rígidas quanto aos cristãos novos, julgou necessária uma visita do Santo Ofício.

O Visitador nomeado, Heitor Furtado de Mendonça, chegou à Bahia em julho de 1591. Poucos dias depois publicou o Édito da Graça, período de trinta dias (de 28/7 a 27/8) em que haveria muita moderação e misericórdia aos que fossem acusados ou se viessem acusar. Houve muitas denúncias, versando sobre suspeitas de heresia, de judaísmo, escravização dos indígenas, bigamia etc. Em 1594 o Visitador passou a Pernambuco onde, após um período de Graça, iniciou as audiências, seguindo até o ano de 1595, quando retornou a Lisboa. A par de algum erro ou imprevidência, não parece ter sido severo, usando, em muitos casos, de moderação.

2. Século XVII

Data deste século a segunda visita do Santo Ofício. Esta ocorreu entre setembro de 1618 e janeiro de 1619, sendo Inquisidor D. Marcos Teixeira. Os motivos devem prender se à preocupação da Coroa Espanhola com os cristãos novos, temendo que pudessem aliar se aos holandeses, que naquele tempo pressionavam o Reino Unido. A colônia, de fato, tornara se lugar de refúgio e de degredo para os novos convertidos, que aqui se achavam em grande número.O Pe. Antonio Vieira, nessa época, defendeu a tolerância para com os cristãos novos, idéia que se generalizou e continuou viva mesmo após a restauração, em 1640.

3. Século XVIII

Surgindo as minas de ouro, para as quais ia grande número de estrangeiros de todos os Credos, a política de tolerância vigente no século anterior começou a mudar. Intensificou se a ação da Inquisição no Brasil. No reinado de D. José I (1750´77), a Inquisição decaiu, chegando praticamente a anular se. Dois fatores contribuíram para a sua queda, ambos ligados à personalidade do Marquês de Pombal. Primeiramente, o Primeiro ministro considerou a contrária aos interesses da Corte, embora anos antes (1761) a tivesse utilizado contra o Pe. Gabriel Malagrida, por ter este, na ocasião do terremoto de Lisboa (1755), acusado de erros morais os membros da Corte. Além disto, em virtude de um desentendimento entre Pombal e o Santo Ofício em Portugal, chegou o rei D. José I a procurar minorar a ação do Tribunal. Assim é que em 1773 foram baixadas leis que acabaram com a distinção entre cristãos novos e outros cristãos, e que proibiam qualquer discriminação por ascendência judaica. Em 1774 o Santo Ofício foi transformado num tribunal régio, sem autonomia, completamente dependente da Coroa, o que significou na prática a sua desativação. Não obstante as falhas que se podem apontar contra todo e qualquer sistema repressivo, não é lícito nem honesto ver na atuação da Inquisição ou Santo Ofício somente a face negativa. Houve também vantagens para a fé e os bons costumes, evitando se tolerância em demasia com desvantagens para a pureza da fé ou com tropelos dos mandamentos divinos, visto que a Inquisição não empregava somente a repressão, mas também a persuasão para corrigir desvios na fé ou nos costumes. Ademais, para muita gente que se deixa levar mais pelo temor que pelo amor, por muitas causas que não é o caso de abordar, toda ação coercitiva, quando psicologicamente bem orientada, pode ter seus reflexos positivos. Aliás, o Santo Ofício era, antes do mais, um tribunal eclesiástico que tinha em mente mover o culpado a reconhecer seu pecado, detesta-lo e prometer emenda. Só em casos de pertinácia agia com penas que variavam segundo a gravidade do delito e a renúncia ao perdão. No Brasil, felizmente, durante o século XVI, não temos a lamentar a pena capital entre os nascidos na terra, mesmo quando encaminhados ao tribunal de Lisboa (RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. Origem e desenvolvimento (Século XVI), vol. 1. Santa Maria, Pallotti, 1981, p. 284).

Fonte: Mídia sem Máscara
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