Detetives do Passado: ótima pedida para o ensino de História

sábado, 12 de dezembro de 2009


 

Detetives do passado: à procura do bom ensino de História

"O ensino de História vem mudando muito… Mas a forma de ensinar e aprender continua em geral a mesma: professores falando, alunos sentados, ouvindo e anotando. Aborrecidíssimos, em geral", Keila Grinberg

Por Marcus Tavares

Incomodadas com o ensino de História nas escolas, Keila Grinberg e Anita Almeida, ambas doutoras em História e professoras da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), resolveram inovar: criaram um projeto que alia conteúdo, pesquisa, investigação e internet. A conjugação levou um ano para sair do papel. Mas, hoje, está ao alcance de qualquer aluno, escola e internauta. Batizado de Detetives do Passado, o projeto quer resgatar de forma lúdica e interativa a História do Brasil e, de quebra, o gosto pelo ensino da área de conhecimento.

"O objetivo maior é despertar nos alunos o interesse pela História e pelo uso da internet como fonte de pesquisa. Talvez seja uma forma interessante de começar a aprender. Mais do que uma receita ou uma seleção de atividades, Detetives do Passado é um convite a professores, alunos e interessados em História a conversarem sobre a metodologia do ensino da própria História e a construção do conhecimento histórico", avisa Keila.

Financiada pela Faperj, Detetives do Passado é uma produção do Núcleo de Documentação, História e Memória (Numen) da UniRio.  As atividades são voltadas para alunos do Ensino Fundamental e Médio, mais especificamente para a faixa etária dos 11 aos 16 anos.

Para conhecer mais sobre o projeto, a revistapontocom conversou com a professora Keila Grinberg.

Acompanhe:

revistapontocom – De onde surgiu a ideia do projeto?
Keila Grinberg – O projeto acabou de ser lançado, depois de um ano de trabalho, com patrocínio da Faperj. Desenvolver este projeto é uma forma de contribuirmos para o debate sobre a maneira como a História é ensinada, tanto na escola quanto na universidade. O ensino de História vem mudando muito, abarcando novos temas, novas problemáticas e material didático de qualidade. Mas a forma de ensinar e aprender continua em geral a mesma: professores falando, alunos sentados, ouvindo e anotando. Aborrecidíssimos, em geral. Queríamos algo que motivasse os alunos. A ideia de usar a palavra Detetives no projeto vem daí. Queríamos mostrar que o historiador é um detetive, que tem mistérios para resolver, que precisa buscar pistas, documentos e construir interpretações e hipóteses.

revistapontocom – De que forma vocês desenvolveram o projeto na prática?
Keila Grinberg – O projeto consiste na realização de atividades investigativas que se encontram num site na internet. Todas as atividades têm o mesmo formato: elas partem de um problema que os alunos devem resolver. Para isso, eles têm uma tarefa e um passo a passo, onde são apresentadas as informações e os documentos necessários para a resolução do problema. Esta primeira etapa do projeto, que já está no ar, tem como tema a escravidão no Brasil. Porém, já estamos planejando outras séries sobre outros temas, além de atividades mais dinâmicas, com recursos de som e vídeo. O objetivo maior é despertar nos alunos o interesse pela História e pelo uso da internet como fonte de pesquisa. Achamos que o uso da internet no ensino de História pode ser altamente positivo. E esta talvez seja uma forma interessante de começar a aprender. Claro que não pretendemos revolucionar o ensino de História no país. Somos modestas, mas ambiciosas ao mesmo tempo. Mais do que uma receita ou uma seleção de atividades, Detetives do Passado é um convite a professores, alunos e interessados em História a conversarem sobre a metodologia do ensino de História e a construção do conhecimento histórico. 

revistapontocom – Mas por que vocês optaram pelo tema da escravidão no século XIX?
Keila Grinberg – Achamos que o estudo da escravidão é fundamental na Educação Básica. Não é a toa que a lei 10.639/2003 tornou obrigatório o ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira nas escolas. Com a escolha deste tema, queremos contribuir com a implementação da lei, produzindo material didático de qualidade. Sem querer reduzir o ensino de História da África à escravidão, temos consciência das dificuldades em abordar, em sala de aula, uma questão difícil como esta. Falar de escravidão é necessariamente falar de violência, de exploração, de injustiça. Mas há que cuidar para não cair em certas armadilhas, como somente das diferenças culturais, da naturalização das hierarquias sociais e da vitimização de africanos escravizados e seus descendentes. É neste sentido que propomos estas atividades que, por princípio, colocam o aluno como protagonista do processo de produção do conhecimento. Ele não produz este conhecimento sozinho, e muito menos sem orientação. Mas a ideia de protagonismo é, aqui, usada em dois sentidos: no próprio processo de ensino/aprendizagem, no qual o estudante ocupa o lugar central, e na maneira como concebemos a história da escravidão no Brasil, principalmente no século XIX. Por esta razão, escolhemos abordar situações que colocassem em evidência a diversidade da experiência de escravos, libertos e seus descendentes no século XIX. Optamos por enfatizar a ação dos indivíduos neste período, demonstrando como suas atitudes e escolhas são importantes para a compreensão do processo histórico como um todo, que é tão diverso e complexo como são as experiências das pessoas que viveram aquele tempo. Desta forma, pretendemos criar situações em que os estudantes possam de alguma maneira se colocar no lugar de pessoas reais que viveram situações reais – no caso, a realidade dos cerca de um milhão e meio de africanos e seus descendentes que viveram no Brasil oitocentista.

revistapontocom – De que forma foi realizada a pesquisa dos conteúdos?
Keila Grinberg – Nosso campo de pesquisa é escravidão no século XIX. Escolher este tema para a primeira série do projeto foi uma forma de aproveitar as pesquisas que realizamos e, ao mesmo tempo, refletir sobre as pontes de diálogo entre a universidade e a escola. Por isso, resolvemos partir da nossa própria realidade da pesquisa para começar a pensar nas atividades de ensino. Partimos de um critério básico: partimos de um documento que já tivesse sido analisado por algum historiador. A partir do documento, pensamos na questão e na tarefa a ser realizada pelos alunos. Todos os casos que apresentamos aos alunos são reais, são baseados em documentos. A seleção dos casos tem mais a ver com os documentos disponíveis do que propriamente com os temas. Mesmo assim, eles estão dispostos em ordem cronológica. Mas o professor pode usar os casos como quiser, não há uma sequencia pré-estabelecida.

revistapontocom – Os estudantes participaram do processo de construção do projeto?
Keila Grinberg – Há algum tempo, trabalhamos com atividades investigativas na escola, mesmo fora do ambiente da web. A realização destas atividades resultou em um livro, publicado em 2000, chamado de Oficinas da História (Editora Dimensão). Então há um bom tempo submetemos nossos estudantes a estas atividades. Além disso, nossos alunos da UniRio, onde ensinamos Metodologia do Ensino de História e supervisionamos o Estágio curricular, vêm colocando estas atividades em prática com seus respectivos alunos. Em geral, os estudantes gostam muito das atividades, principalmente aquelas que envolvem mistério. Nosso desafio, como professores, é dar o pulo do interesse pela resolução do caso para o interesse pelo aprendizado da História.

revistapontocom – Como a escola está recebendo o projeto?
Keila Grinberg – Conversamos muito com professores a respeito do projeto e vários ex-alunos têm colocado estas atividades em prática nas escolas onde trabalham. Além disso, contamos com o apoio de professores que já trabalham com projetos investigativos, mesmo em outras disciplinas. A contribuição da Escola Sá Pereira, neste sentido, foi fundamental para a orientação que o projeto tomou. Mas é só agora, com a colocação do site no ar e com a distribuição de CD-Roms às escolas públicas do Estado do Rio, que temos a expectativa de conhecer mais a opinião de professores e alunos. Criamos um blog,
http://detetivesdopassado.blogspot.com, para facilitar o retorno de estudantes e professores. Queremos saber a opinião dos usuários sobre o material e também compartilhar atividades que estejam sendo desenvolvidas nas escolas. A vantagem de o material estar na internet é justamente o fato de podermos mudar, melhorar e receber contribuições com muito mais facilidade do que se estivéssemos publicando as atividades em um livro. Queremos um material em permanente construção, em permanente diálogo com aqueles que o utilizam. 

revistapontocom – Muito se critica a universidade por não se aproximar da realidade das escolas e não compartilhar conhecimentos. Detetives do Passado mostra o quanto isso é importante e possível?
Keila Grinberg – Se não for muita ousadia, nosso objetivo maior é exatamente este. É fundamental que os resultados das pesquisas e atividades realizadas no âmbito das universidades circulem, não só nas escolas, como na sociedade de uma maneira geral. Temos muito a aprender com nossos colegas que estão nas escolas. Ao mesmo tempo, queremos compartilhar nossa prática, e gostaríamos que os professores das escolas compartilhassem suas experiências conosco também. Aproximar a universidade da escola e vice-versa nada mais é do que realizar, na prática, a união entre pesquisa e ensino que tanto defendemos. Afinal, o conhecimento histórico é um só. Para sermos bons profissionais, na escola ou na universidade, precisamos das mesmas competências: ser, ao mesmo tempo, professores e pesquisadores.

 
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