Livro de Claudia Mesquita relembra a inauguração do MIS

sábado, 20 de março de 2010


Livro de Claudia Mesquita relembra a inauguração do MIS


Fonte: Jornal do Brasil
RIO - Um museu para a Guanabara, de Cláudia Mesquita, é um livro afinado com o gosto e as preocupações atuais do carioca. Pois trata de recontar um momento histórico de transformação do Rio cujas marcas fazem-se sentir ainda hoje, 50 anos depois. Com a construção de Brasília e a mudança da capital, em 1960, o então Estado da Guanabara dava a impressão de uma cidade inacabada, efeito das obras do governo Carlos Lacerda. "Estão fazendo o Rio há quase 400 anos, mas ainda não aprontaram", notou, com humor, Stanislaw Ponte Preta numa crônica da época.
Além da abertura de túneis, a construção de viadutos, parques, aterros, a substituição dos bondes por transportes rodoviários, a remoção de favelas e demais formas de intervenção no espaço urbano, houve a chance, em meio às comemorações do 4º Centenário da cidade, de implantar uma política cultural que legou a criação da Sala Cecília Meireles, o Parque Lage, o Museu do Primeiro Reinado e o Museu da Imagem e do Som, inaugurado em 3 de setembro de 1965.
Fruto de uma dissertação de mestrado, o livro da historiadora Cláudia Mesquita não pretende – como ela faz questão de esclarecer – contar a história do MIS, mas narrar seu momento inaugural. É bom ficar claro também que Cláudia não quer discutir a figura de Lacerda, das mais controvertidas, embora apresente aspectos pouco explorados da sua trajetória intelectual e política.
A autora destaca o caráter inédito do MIS, cujo projeto rompeu com o modelo dos museus etnológicos e nacionais de então, sendo o primeiro audiovisual do país, antecipando um novo conceito de patrimônio. A começar pelas coleções adquiridas para compor o acervo: o arquivo privado do fotógrafo Augusto Malta, que contém o registro tanto de personalidades brasileiras – Machado de Assis, Washington Luís, Santos Dumont, Ruy Barbosa – como de pessoas anônimas em cenas cotidianas do princípio do século 20 – vendedores ambulantes, operários, imigrantes, batalha de foliões no corso.
E principalmente o arquivo do compositor e pesquisador Henrique Foréis, o Almirante, cuja compra envolveu diretamente a participação de Lacerda e se constitui, pelo valor documental, a base do MIS. São discos raríssimos, milhares de partituras, livros, recortes de jornais referentes à música brasileira, instrumentos, fotografias, objetos de uso pessoal de cantores e compositores e até um mesa do Café Nice, onde, nos anos 30, reunia-se a papa fina de nossa música.
Entre as partituras, está a do samba Pedreiro Valdemar, de Roberto Martins e Wilson Batista, utilizada por Lacerda como analogia para a transferência da capital para Brasília: "O Rio é o próprio pedreiro Valdemar, que fez casa para os outros e não tem onde morar".
O livro relembra como foi difícil a busca de um espaço para sediar o museu. Foi preciso uma grande reforma para devolver o prédio construído como Pavilhão do Distrito Federal para a Exposição Internacional de 1922 à sua edificação original.
A importância do Conselho de Música Popular Brasileira – formado, entre outros notáveis, por Marques Rebelo, Lúcio Rangel, Eneida – não é esquecida, como também sua iniciativa de gravar os Depoimentos para a Posteridade, cuja relevância praticamente salvou o MIS da extinção, em 1966, num momento político delicado.

Um museu para a Guanabara será lançado na segunda, a partir das 18, na livraria Folha Seca (Rua do Ouvidor, 37. )
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ARTIGO - Elites paulistas no século XVIII


Elites paulistas no século XVIII

20.03.2010 Fonte: Pravda.ru

Adelto Gonçalves (*) I

A rigor, foi o historiador português António Manuel Hespanha, com o livro As Vésperas do Leviathan: instituições e poder político – Portugal – sec.XVII (Coimbra, Almedina, 1994), quem abriu a porta para uma nova modalidade de se escrever a História, ao fazer a arqueologia do poder concelhio em Portugal, apontando temas voltados à administração e ao Estado. Tantos anos passados, a porta aberta por Hespanha não só permitiu a outros historiadores portugueses que vislumbrassem essa nova maneira de se re(escrever) a História como atraiu uma grande parte dos estudiosos brasileiros do período colonial – exatamente aqueles mais talentosos e da geração que teve como orientadora a professora Laura de Mello e Souza, da Universidade de São Paulo.

O resultado dessa forma nova de se encarar a História pode ser constatado em O governo dos povos, de Laura de Mello e Souza, Junia Ferreira Furtado e Maria Fernanda Bicalho, orgs. (São Paulo: Alameda Editorial, 2009), que reúne trabalhos apresentados e discutidos por estudiosos de universidades brasileiras e portuguesas nos últimos dias de agosto e primeiros dias de setembro de 2005, em Parati-RJ, durante o seminário denominado "Governo dos Povos".

Desses 28 estudos, dois serão destacados aqui não porque sejam superiores em qualidade aos demais, mas exatamente porque se referem a temas ainda pouco estudados, aos quais este investigador também se dedica nestes dias, ou seja, o funcionamento da câmara municipal de São Paulo e de outras câmaras ao tempo da capitania de São Paulo e do Brasil colonial: "Camaristas, provedores e confrades: os agentes comerciais nos órgãos do poder (São Paulo, século XVIII)", de Maria Aparecida de Menezes Borrego, e "O município no Brasil colonial e a configuração do poder econômico", de Vera Lucia Amaral Ferlini.

As articulações entre o poder central – ou seja, os altos representantes da Coroa (governador e capitão-general e ouvidor) e as câmaras municipais constituem um tema clássico na historiografia, mas que hoje deve ser visto por novos olhares, já que as últimas investigações têm deixado clara a necessidade de reformular certas interpretações cristalizadas que não convencem ante a evidência de novos fatos.

Uma dessas revisões que se deve fazer, como alerta Vera Ferlini, é que já não se pode aceitar pacificamente a afirmação de que as câmaras tenham sido reduto de oligarquias autônomas, ou seja, de senhores de terras, grandes proprietários rurais. Já na década de 1720, com o fim da capitania de São Paulo e Minas do Ouro e a separação de Minas Gerais, a presença de comerciantes na Câmara da cidade de São Paulo é uma evidência de que aquela idéia não é tão pacífica assim. Ao contrário do que aprendemos com Caio Prado Júnior, a nossa elite colonial não foi constituída apenas por proprietários rurais.

É verdade que, no Brasil colonial, dependendo das circunstâncias, ainda seriam válidos certos princípios – impedimento a quem descendesse de "nação infecta" ou ganhasse a vida com trabalhos manuais – que se aplicavam no Reino, mas por aqui essas exigências já começavam a se tornar mais fluidas. Afinal, seriam poucos, mesmo aqueles que se apresentavam como a elite agrária paulista, que podiam se assumir como "brancos". Dificilmente, algum daqueles pró-homens, que haviam ascendido a potentados e que geralmente andavam à frente de batalhões de escravos índios (ou carijós) e negros, não teria tido entre seus ascendentes indígenas ou negros ou miscigenados.

II

Há um documento (AHU, Conselho Ultramarino, capitania de São Paulo, caixa 6, doc. 650, 26/10/1728) – citado aqui à guisa de explicação porque não consta de nenhum dos textos reunidos no livro resenhado – em que os camaristas da vila de Santana do Parnaíba, que à época seria um povoado pouco menor que o de São Paulo, cidade desde 1711, mostram-se indignados e ressentidos com a perseguição que o governador e capitão-general Antônio da Silva Caldeira Pimentel lhes movia, "inferiorizando-os perante os visitantes e os do Reino".

É de especular que uma das razões para isso seria a maneira rude de se comportar desses camaristas, que levariam o governador e os visitantes e os reinóis a deles escarnecer. Outra talvez fosse a cor da pele. Quem sabe tivessem feições indígenas. Ou traços africanos. Foram desses homens que saíram aqueles que se embrenharam na mata para descobrir ouro e pedras preciosas em Goiás e Cuiabá.

É de supor ainda que esses potentados fossem analfabetos ou que talvez manejassem mal o idioma português, acostumados que estariam ao linguajar indígena de seus empregados ou escravos. Mas aqui também é preciso cautela nas conclusões porque não se sabe se os níveis de analfabetismo seriam assim tão elevados, embora Hespanha em As Vésperas do Leviathan diga isso em relação às câmaras do Reino. E se o analfabetismo mesmo entre os camaristas nas vilas do Reino era acintoso, é de imaginar que na colônia seria maior. Até porque os índices de analfabetismo em Portugal e no Brasil continuariam altos até o século XX.

No entanto, há outro documento dessa época (AHU, Conselho Ultramarino, capitania de São Paulo, caixa 5, doc.615, 11/11/1727) que se refere a uma festa denominada das Onze Mil Virgens, que era celebrada ao som de tambores havia muitos anos, desde a época em que São Paulo era vila, que tinha como principais entusiastas os estudantes, que costumavam se mascarar nesse dia. Para organizá-la, os estudantes pediam licença ao governador na sede da capitania e aos capitães-mor nas vilas, embora em determinadas ocasiões os ouvidores também tenham assumido a responsabilidade pela autorização para que saíssem às ruas. Se havia tantos estudantes assim, tanto na cidade ou na antiga vila de São Paulo como nas demais vilas da capitania, dispostos a organizar uma festa pública tida como tradicional, é porque o contingente de alfabetizados não seria tão irrisório como imaginamos.

Também é de supor que as características físicas do homem paulista tenham se alterado a partir do final da primeira metade do século XVIII, com o retorno daqueles que haviam ido se aventurar em Goiás e Cuiabá, diante do esgotamento das minas, com o afluxo de reinóis – especialmente da região do Minho –, com a presença cada vez maior dos escravos africanos e de pessoas enriquecidas com o trato mercantil. Tudo isso se refletiu na estrutura da família patriarcal, mas necessariamente não quer dizer que a pele dos oligarcas paulistas tenha se embranquecido. A não ser que confundamos "embranquecimento" com ascensão social, ou seja, enriquecimento material.

Muitos destes homens enriquecidos com o comércio – que desempenhavam funções mecânicas tidas como abjetas, pois manuseavam valores e manipulavam mercadorias – casaram com filhas de antigos oligarcas, assumindo seus negócios com o tempo. Não se pode esquecer também que esses oligarcas tinham muitas concubinas negras, indígenas e miscigenadas, acumulando filhos fora do casamento que acabavam integrados ao seio da família patriarcal.

Maria Aparecida de Menezes Borrego diz que os homens de negócios casavam seus filhos varões com filhas da elite agrária (p.333) ou os encaminhavam para a carreira eclesiástica, mas suas filhas desposavam outros comerciantes. É provável que a continuação dos negócios da família da elite agrária fosse entregue aos genros, que já vinham de famílias de comerciantes. Em função disso, logo estes recém-admitidos na família patriarcal começaram também a galgar posições nas estruturas das câmaras, da Santa Casa de Misericórdia e das irmandades religiosas, que eram os veículos que possibilitavam a "nobilitação" dos candidatos a homens bons. É de assinalar também que muitos que haviam retornado enriquecidos das minas apresentavam-se como pretendentes no mercado matrimonial.

III

Vera Ferlini observa, em seu estudo, que ao longo do período colonial, as câmaras foram dominadas pela presença de grupos familiares e tradicionais que constituíram oligarquias, que, obviamente, nem sempre conviveram pacificamente. Em São Paulo, é conhecida a solução encontrada pela Coroa em 1655 para apaziguar as lutas entre as famílias Pires e Camargo, permitindo que apenas oriundos desses clãs ocupassem os principais lugares na instituição. Isto porque, diante do seu poder reduzido, a Coroa não tinha outra saída a não ser contemporizar e aceitar certas exigências das oligarquias locais, provavelmente com receio de que pudessem flertar com a idéia de passar para o lado dos espanhóis.

Fosse como fosse, os estudos apontam para uma via de mão de dupla na atuação das câmaras: por um lado, defendiam os interesses locais, ou seja, dos manda-chuvas da ocasião, mas de outro, também resguardavam as políticas e as determinações de metrópole, tratando-se de compor com os interesses do governador e capitão-general.

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O GOVERNO DOS POVOS, de Laura de Mello e Souza, Junia Ferreira Furtado e Maria Fernanda Bicalho (orgs.). São Paulo: Alameda Editorial, 560 págs., R$ 65,00, 2009. Site: www.alamedaeditorial.com.br  

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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