Livro de Ubiratan Machado ganha segunda edição ampliada

sábado, 27 de fevereiro de 2010


Livro de Ubiratan Machado ganha segunda edição ampliada

No período da Guerra do Paraguai, enxurrada poética cantando a rápida vitória que não veio encheu as páginas dos jornais.
IDEIAS & LIVROS - Alvaro Costa e Silva, Jornal do Brasil

RIO - Faça guerra, não faça amor. Este poderia ser o slogan da geração literária – em esmagadora maioria poetas e muito jovens – que floresceu no período de maior prosperidade do Segundo Império. Ao menos é o que se deduz da leitura do estudo A vida literária no Brasil durante o romantismo, de Ubiratan Machado, que acaba de reaparecer em segunda edição revista e ampliada.

No capítulo "Em defesa da pátria" – que como epígrafe leva o "Brava gente brasileira", verso que Evaristo da Veiga pôs no Hino da Independência – lembra-se a Questão Christie, uma besteirada que serviu para mostrar como que em meados do século 18 estavam exaltados e belicosos os ânimos no país. No fim de 1862 três oficiais britânicos da fragata Fort, ancorada no Rio, praticaram todo tipo de baderna na Tijuca. Estavam alcoolizados e deram bengaladas num policial. Foram metidos no xadrez. Até aí nada demais. O ministro plenipotenciário britânico, William Dougal Christie, exigiu satisfações do imperador Pedro II, não as teve, informou o início de represálias e, valendo-se de buques de guerra, mandou apresar cinco navios brasileiros.

Ao ser divulgada a notícia, o Rio ferveu contra os beefs. "Listas, apelos, subscrições, desaforos com todas as letras, muitos poemas e quilômetros de prosa são publicados nos jornais, ameaçando os ingleses", conta Ubiratan Machado no livro. Com 25 anos, Machado de Assis escreveu o Hino dos voluntários, musicado pelo maestro Júlio José Nunes e cantado pela atriz portuguesa Emília Adelaide no Teatro Ginásio, que mostra bem como andava o clima: "Brasileiros! Haja um brado/ Nesta terra do Brasil./ Antes a morte do honrado/ Do que a vida infame e vil".

Só em 1865 é que as relações entre os dois países seriam plenamente restabelecidas, pois eclodira a Guerra do Paraguai. E então o gosto de sangue teve ainda mais motivos para se fazer sentir.

No início a indignação contra os paraguaios misturou-se à soberba: como eles resistiriam ao império brasileiro? Uma enxurrada poética cantando a rápida vitória encheu páginas e páginas de periódicos. Com 16 anos, Joaquim Nabuco exigiu: "Corra-se ao campo inimigo/ A vingar a nossa honra,/A honra desta nação./ A quem vive em barbárie,/ Que não atende à justiça,/ Fale a metralha e o canhão". Sem noção, propunham o genocídio, como este poetastro anônimo, que espumou ódio no seu Hino dos voluntários da pátria: "Seja a guerra de extermínio,/ Não haja contemplação;/ Somente desta maneira/ Será vingada a nação.// Os guaranis e agacés/ De uma vez aniquilemos,/ Essa raça de bandidos/ Que ainda tão perto temos".
Logo após a expulsão dos paraguaios de Mato Grosso e a queda de Montevidéu, 95 estudantes do Recife, entre eles Castro Alves e Fagundes Varela, alistaram-se. Chamados de "leões do Norte", ao som de fanfarras, pareciam rumar para uma festa. Mas o governo recusou-se a usá-los como bucha de canhão. Preferiu "os voluntários a pau e corda", ou seja, os caçados a laço, e os escravos, muitos deles em substituição aos recrutados de famílias ricas; a legislação da época permitia o recurso.

Uma das poucas vozes a discordar da retórica exaltada – que continuou até o dia em que Solano Lopes caiu morto pelas mãos de um lanceiro conhecido como Chico Diabo e mesmo depois, com a chegada à pátria dos inválidos – foi José de Alencar, que fez um folheto chamado A festa macarrônica, dizendo que o Brasil, para manter a guerra, contraíra uma imensa dívida nos centros financeiros de Londres.

Mas quem quer saber disso quando se é jovem e poeta? Ubiratan Machado escreve que na época "a poesia era como as espinhas, os namoricos inconsequentes e a masturbação: uma característica da mocidade". Calcula que os autores de 80% dos livros de poesia publicados durante o romantismo estavam na faixa dos 18 aos 25 anos. Fazer versos era uma epidemia, que não poupava ninguém nas faculdades de direito de São Paulo e do Recife e nas de medicina do Rio e da Bahia, alunos da Escola Politécnica, futuros militares, empregados do comércio, "os primos de olho na prima, o namorado com dor de cotovelo ou com protuberância na testa" – e, é lógico, os vagabundos em geral. O negócio era versejar.

Estranhamente não eram da farra, segundo relata o autor no capítulo "Vida boêmia". Não combinavam com as tascas do Rio, onde se reuniam malandros, assaltantes e sicários, para beber cachaça ou vinho barato. O meretrício era formado quase que exclusivamente por escravas, cujos rendimentos iam para o baú dos senhores. O medo da sífilis era paralisante.
Não admira, pois, que os escritores românticos daqui tenham sido na maioria jovens posudos, sérios, formais: Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto-Alegre, Joaquim Manuel de Macedo (este o autor do romance A moreninha, primeiro best seller de escritor nacional, mil exemplares logo esgotados na primeira edição de setembro de 1844. Sua estratégia de marketing foi encarregar escravos de vender o livro de porta em porta).

Ubiratan Machado arrisca uma hipótese para explicar comportamento tão estranho. Segundo ele, esses escritores tomavam como referência, modelo e explicação a figura de dom Pedro II: "Pareciam mimetizar os hábitos austeros e o procedimento do jovem monarca. (...) Como o imperador, eram homens sem grandes inquietações, amigos da ordem e das aparências, defensores intransigentes dos valores tradicionais da família brasileira. Seus ideais românticos aspiravam à estabilidade, e não à rebeldia, ou sequer à contestação social. Não se aventurariam a transgredir as normas da boa convivência, nem a perder a proteção imperial".

Quando o Rio começa a afrancesar-se, no meio do século 19, as coisas mudam um pouco. Algumas casas de espetáculo começam a se impor, apesar de Joaquim Manuel de Macedo identificar nos cafés-concerto o início da decadência de costumes na cidade. O mais chique e famoso deles, Alcazar Lyrique Français, ficava na Rua da Vala (atual Uruguaiana) e vivia botando gente pelo ladrão. Sobretudo devido à presença das mademoiselles Soalnge, Adèle, Gabrielle, Risette, Chatenay e, não por último, Aimée, a qual virou a cabeça até de Machado de Assis, que dela disse: "A graça parisiense toute pure".

A francesinha Aimée foi uma devoradora de fortunas, arruinou várias famílias, provocou crimes, e, quando o navio em que retornava à França cruzou a barra, deixando a Baía de Guanabara, as cariocas soltaram foguetes. Menos mal que era um assunto de amor, não de guerra.