Livro de Ubiratan Machado ganha segunda edição ampliada
No período da Guerra do Paraguai, enxurrada poética cantando a rápida vitória que não veio encheu as páginas dos jornais.
IDEIAS & LIVROS - Alvaro Costa e Silva, Jornal do Brasil
RIO - Faça guerra, não faça amor. Este poderia ser o slogan da geração literária – em esmagadora maioria poetas e muito jovens – que floresceu no período de maior prosperidade do Segundo Império. Ao menos é o que se deduz da leitura do estudo A vida literária no Brasil durante o romantismo, de Ubiratan Machado, que acaba de reaparecer em segunda edição revista e ampliada.
No capítulo "Em defesa da pátria" – que como epígrafe leva o "Brava gente brasileira", verso que Evaristo da Veiga pôs no Hino da Independência – lembra-se a Questão Christie, uma besteirada que serviu para mostrar como que em meados do século 18 estavam exaltados e belicosos os ânimos no país. No fim de 1862 três oficiais britânicos da fragata Fort, ancorada no Rio, praticaram todo tipo de baderna na Tijuca. Estavam alcoolizados e deram bengaladas num policial. Foram metidos no xadrez. Até aí nada demais. O ministro plenipotenciário britânico, William Dougal Christie, exigiu satisfações do imperador Pedro II, não as teve, informou o início de represálias e, valendo-se de buques de guerra, mandou apresar cinco navios brasileiros.
Ao ser divulgada a notícia, o Rio ferveu contra os beefs. "Listas, apelos, subscrições, desaforos com todas as letras, muitos poemas e quilômetros de prosa são publicados nos jornais, ameaçando os ingleses", conta Ubiratan Machado no livro. Com 25 anos, Machado de Assis escreveu o Hino dos voluntários, musicado pelo maestro Júlio José Nunes e cantado pela atriz portuguesa Emília Adelaide no Teatro Ginásio, que mostra bem como andava o clima: "Brasileiros! Haja um brado/ Nesta terra do Brasil./ Antes a morte do honrado/ Do que a vida infame e vil".
Só em 1865 é que as relações entre os dois países seriam plenamente restabelecidas, pois eclodira a Guerra do Paraguai. E então o gosto de sangue teve ainda mais motivos para se fazer sentir.
No início a indignação contra os paraguaios misturou-se à soberba: como eles resistiriam ao império brasileiro? Uma enxurrada poética cantando a rápida vitória encheu páginas e páginas de periódicos. Com 16 anos, Joaquim Nabuco exigiu: "Corra-se ao campo inimigo/ A vingar a nossa honra,/A honra desta nação./ A quem vive em barbárie,/ Que não atende à justiça,/ Fale a metralha e o canhão". Sem noção, propunham o genocídio, como este poetastro anônimo, que espumou ódio no seu Hino dos voluntários da pátria: "Seja a guerra de extermínio,/ Não haja contemplação;/ Somente desta maneira/ Será vingada a nação.// Os guaranis e agacés/ De uma vez aniquilemos,/ Essa raça de bandidos/ Que ainda tão perto temos".
Logo após a expulsão dos paraguaios de Mato Grosso e a queda de Montevidéu, 95 estudantes do Recife, entre eles Castro Alves e Fagundes Varela, alistaram-se. Chamados de "leões do Norte", ao som de fanfarras, pareciam rumar para uma festa. Mas o governo recusou-se a usá-los como bucha de canhão. Preferiu "os voluntários a pau e corda", ou seja, os caçados a laço, e os escravos, muitos deles em substituição aos recrutados de famílias ricas; a legislação da época permitia o recurso.
Uma das poucas vozes a discordar da retórica exaltada – que continuou até o dia em que Solano Lopes caiu morto pelas mãos de um lanceiro conhecido como Chico Diabo e mesmo depois, com a chegada à pátria dos inválidos – foi José de Alencar, que fez um folheto chamado A festa macarrônica, dizendo que o Brasil, para manter a guerra, contraíra uma imensa dívida nos centros financeiros de Londres.
Mas quem quer saber disso quando se é jovem e poeta? Ubiratan Machado escreve que na época "a poesia era como as espinhas, os namoricos inconsequentes e a masturbação: uma característica da mocidade". Calcula que os autores de 80% dos livros de poesia publicados durante o romantismo estavam na faixa dos 18 aos 25 anos. Fazer versos era uma epidemia, que não poupava ninguém nas faculdades de direito de São Paulo e do Recife e nas de medicina do Rio e da Bahia, alunos da Escola Politécnica, futuros militares, empregados do comércio, "os primos de olho na prima, o namorado com dor de cotovelo ou com protuberância na testa" – e, é lógico, os vagabundos em geral. O negócio era versejar.
Estranhamente não eram da farra, segundo relata o autor no capítulo "Vida boêmia". Não combinavam com as tascas do Rio, onde se reuniam malandros, assaltantes e sicários, para beber cachaça ou vinho barato. O meretrício era formado quase que exclusivamente por escravas, cujos rendimentos iam para o baú dos senhores. O medo da sífilis era paralisante.
Não admira, pois, que os escritores românticos daqui tenham sido na maioria jovens posudos, sérios, formais: Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto-Alegre, Joaquim Manuel de Macedo (este o autor do romance A moreninha, primeiro best seller de escritor nacional, mil exemplares logo esgotados na primeira edição de setembro de 1844. Sua estratégia de marketing foi encarregar escravos de vender o livro de porta em porta).
Ubiratan Machado arrisca uma hipótese para explicar comportamento tão estranho. Segundo ele, esses escritores tomavam como referência, modelo e explicação a figura de dom Pedro II: "Pareciam mimetizar os hábitos austeros e o procedimento do jovem monarca. (...) Como o imperador, eram homens sem grandes inquietações, amigos da ordem e das aparências, defensores intransigentes dos valores tradicionais da família brasileira. Seus ideais românticos aspiravam à estabilidade, e não à rebeldia, ou sequer à contestação social. Não se aventurariam a transgredir as normas da boa convivência, nem a perder a proteção imperial".
Quando o Rio começa a afrancesar-se, no meio do século 19, as coisas mudam um pouco. Algumas casas de espetáculo começam a se impor, apesar de Joaquim Manuel de Macedo identificar nos cafés-concerto o início da decadência de costumes na cidade. O mais chique e famoso deles, Alcazar Lyrique Français, ficava na Rua da Vala (atual Uruguaiana) e vivia botando gente pelo ladrão. Sobretudo devido à presença das mademoiselles Soalnge, Adèle, Gabrielle, Risette, Chatenay e, não por último, Aimée, a qual virou a cabeça até de Machado de Assis, que dela disse: "A graça parisiense toute pure".
A francesinha Aimée foi uma devoradora de fortunas, arruinou várias famílias, provocou crimes, e, quando o navio em que retornava à França cruzou a barra, deixando a Baía de Guanabara, as cariocas soltaram foguetes. Menos mal que era um assunto de amor, não de guerra.
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