Johnny Alf era classe A, mas viveu no lado B

sábado, 6 de março de 2010


Johnny Alf era classe A, mas viveu no lado B

Avesso à badalação, trocou o Rio por SP e se tornou um dissidente, ficando fora da panela da bossa nova

Lauro Lisboa Garcia, de O Estado de S. Paulo
Johnny Alf (1929-2010)

SÃO PAULO - Caso típico de gênio cult subestimado pelo gosto popular, Alf, como a história da bossa nova, não parou nunca. E mesmo produzindo pouco, não se deteve no pedestal de pioneiro. Embora escassa, sua discografia é registro insuspeito de que esteve aberto às transformações de cada época (no disco Desbunde Total gravou até balada pop), sem perder a linha; e suas influências, tão notáveis, não permitem que sua fama seja reduzida à de precursor da bossa nova, mas um de seus motores constantes. Jamais deixou de soar moderno e estimulante. Está aí Mais Um Som, para quem quiser comprovar.
    Com o pseudônimo de apelo internacional e o estilo sofisticado que namorava com o cool jazz, Alf poderia ter-se lançado à fama nos Estados Unidos - como o fizeram Sergio Mendes, Astrud Gilberto, Laurindo de Almeida, Moacir Santos, Eumir Deodato e Antonio Carlos Jobim. Isto se tivesse pelo menos aceitado o convite do compositor Chico Feitosa para se apresentar no Carnegie Hall, em Nova York, no evento que consolidou o sucesso da bossa nova no exterior, em 1962. Preferiu ficar no Rio.
    Alf era classe A, mas viveu no lado B da bossa nova. "Ele não estourou porque chegou cedo demais", afirmou Roberto Menescal. Conta ponto também o fato de Alf ser avesso a badalação e o fato de ter trocado o Rio por São Paulo o fez situar-se como dissidente, ficando fora da panela da bossa nova em sua eclosão. "O que eu faço não é bossa nova, mas samba jazz", desconversou certa vez.
    Alf era tímido, muito discreto e modesto. "Posso dizer que fiz alguma coisa um pouco antes do resto do pessoal", disse. Suas melodias e letras até meados dos anos 1960 eram carregadas de melancolia noturna: nada de barquinhos, manhãs de luz e tardinhas de cartão postal. O estilo de vida de então e, paralelamente o de sua música, destoava do padrão ensolarado de seus pares cariocas. Não estranha que tenha trocado a beira-mar pela então fria capital paulista, desestimulado que se sentia na terra da Garota de Ipanema. "Sempre estive afastado da patota, porque sou muito desconfiado das pessoas. Os problemas que tive na vida me criaram dificuldade de relacionamento. Em meio de grupinho, nunca estava seguro."
   Tampouco surpreende o fato de que Ilusão à Toa, composta nos pouco liberais anos 50, seja considerada uma canção de amor gay enrustido. Uma das que vêem a letra por esse ângulo é a cantora Leila Maria, que lançou em 2007 um álbum temático, Canções do Amor de Iguais, que inclui a canção de Alf que inspirou Um Certo Alguém (Lulu Santos/Ronaldo Bastos) e Amor Mais Que Discreto (Caetano Veloso).