Arqueólogos descobrem tesouro colonial enterrado em Mariana
Flávia Ayer - Estado de Minas
Publicação: 20/06/2010 09:19
Historiador Moacir de Castro Maia e arqueóloga Alenice Baeta mostram resquícios do patrimônio descoberto em escavações nos fundos de prédio
Mariana Nas andanças por Minas, o botânico e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), um dos mais importantes naturalistas do século 19 muito viu e escreveu. Mas, ao subir a colina de São Pedro, na entrada da histórica Mariana, a 115 quilômetros de BH, na Região Central do estado, o estudioso se surpreendeu com o mais belo jardim do estado, no Palácio dos Bispos. "Pareceu-me desenhado com regularidade, maior e mais bem tratado que todos os outros (jardins) que vira no resto da província", relatou pelos idos de 1817. De área verde aclamada, o lugar, visitado até por dom Pedro II que se banhou em uma das fontes, em 1881, foi pouco a pouco enterrado pelo descaso, transformado em campo de futebol e, mais recentemente, em bota-fora Neste mês, o tesouro do patrimônio mineiro, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), começa a ganhar brilho novamente, com a descoberta de resquícios do jardim colonial por arqueólogos e historiadores.
Iniciadas em abril e concluídas este mês, as escavações revelaram um trecho e muro, restos do piso da parte central feitas de quartzito, além do meio-fio da calçada do centenário jardim, idealizado pelo franciscano dom Frei Cipriano de São José, bispo da Arquidiocese de Mariana entre 1799 e 1817. Ligado às artes e à botânica, o religioso deu ares europeus à chácara e mandou enfeitar o quintal com plantas ornamentais, tanques e peças artísticas, bem diferente das hortas e pomares típicos dos terraços mineiros Agora, o esforço do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), em parceria com a Arteffacto Consultoria, é a preservação dos vestígios dessa relíquia escondida e afastá-la de uma devastação ainda maior.
Nessa busca pela memória, o mapa da mina são duas aquarelas pintadas pelo padre José Joaquim Viegas de Menezes, em 1809, que retratam as maravilhas da área verde mais bela da província. "É um jardim simétrico, dividido em oito partes, de um estudioso da botânica. Há registro até da contratação de um jardineiro para cuidar das plantas", conta o historiador Moacir Rodrigo de Castro Maia, autor do artigo Uma quinta portuguesa no interior do Brasil, que reconstitui a história do patrimônio, principal base teórica da pesquisa. O trabalho foi concentrado em apenas uma parte do terreno. O trecho, de 1, 2 mil metros quadrados, separa o prédio do ICHS, onde antes funcionava o Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte, e o Palácio dos Bispos, atual sede do Museu da Música, da Arquidiocese de Mariana.
Patrimônio ameaçado
O pontapé para achar os remanescentes ocorreu diante da ameaça de destruição do patrimônio. "Durante a restauração do Palácio dos Bispos, feita entre 2004 e 2007, não houve o cuidado para proteger o terreno, apesar de a obra ter sido autorizada pelo Iphan. Eles construíram uma caixa d'água de 70 mil litros no espaço onde havia a antiga área verde. Ao identificarmos uma parte do muro e uma escada, constatamos, ao mesmo tempo, a existência do jardim e o dano ao patrimônio", lamenta o diretor do ICHS, Ivan Antônio de Almeida. Com as aquarelas em mãos, foi a vez de os arqueólogos Alenice Baeta e Henrique Piló irem a campo atrás de mais evidências de um jardim perdido na história. "É uma bênção encontrar concretamente dados que eram virtuais",
comemora Alenice.
Primeiramente, a área, que estava coberta com quase um metro de entulho, foi limpa e só depois começaram as escavações. Ainda na retirada dos restos da construção civil, relíquias foram descobertas, como uma peça em pedra-sabão, que, de acordo com Alenice, poderia compor uma das fontes do jardim. Estruturas de canalização do século 18, feitas em pedra-sabão, também fazem parte do acervo encontrado. "Havia no entulho trabalhos raros em cantaria (técnica de cortar e entalhar rochas). A partir dessas peças, queremos que jovens possam aprender essa técnica, pouco difundida entre os restauradores" afirma a arqueóloga.
O próximo passo será gramar a área, deixando em evidência os resquícios descobertos, que serão restaurados. Uma exposição sobre o jardim do Palácio dos Bispos também será organizado pelo ICHS, contando a história do lugar e mostrando parte do patrimônio encontrado na pesquisa de campo. Em julho, relatório completo será entregue ao Iphan, que autorizou e acompanhou o trabalho, com a indicação de revitalização do jardim e de pesquisa em toda a extensão do terreno. "Quem valoriza o patrimônio sabe a relíquia de um acervo citado por Saint-Hilaire", destaca Alenice. De acordo com o ecónomo da Arquidiocese de Mariana, padre João Francisco Ribeiro, responsável por concluir as obras do Palácio dos Bispos, a construção da caixa d'água não ocorreu sob sua supervisão. "Foi numa etapa anterior. Não posso responder por uma obra que não é minha", diz.
Flávia Ayer - Estado de Minas
Publicação: 20/06/2010 09:19
Historiador Moacir de Castro Maia e arqueóloga Alenice Baeta mostram resquícios do patrimônio descoberto em escavações nos fundos de prédio
Mariana Nas andanças por Minas, o botânico e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), um dos mais importantes naturalistas do século 19 muito viu e escreveu. Mas, ao subir a colina de São Pedro, na entrada da histórica Mariana, a 115 quilômetros de BH, na Região Central do estado, o estudioso se surpreendeu com o mais belo jardim do estado, no Palácio dos Bispos. "Pareceu-me desenhado com regularidade, maior e mais bem tratado que todos os outros (jardins) que vira no resto da província", relatou pelos idos de 1817. De área verde aclamada, o lugar, visitado até por dom Pedro II que se banhou em uma das fontes, em 1881, foi pouco a pouco enterrado pelo descaso, transformado em campo de futebol e, mais recentemente, em bota-fora Neste mês, o tesouro do patrimônio mineiro, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), começa a ganhar brilho novamente, com a descoberta de resquícios do jardim colonial por arqueólogos e historiadores.
Iniciadas em abril e concluídas este mês, as escavações revelaram um trecho e muro, restos do piso da parte central feitas de quartzito, além do meio-fio da calçada do centenário jardim, idealizado pelo franciscano dom Frei Cipriano de São José, bispo da Arquidiocese de Mariana entre 1799 e 1817. Ligado às artes e à botânica, o religioso deu ares europeus à chácara e mandou enfeitar o quintal com plantas ornamentais, tanques e peças artísticas, bem diferente das hortas e pomares típicos dos terraços mineiros Agora, o esforço do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), em parceria com a Arteffacto Consultoria, é a preservação dos vestígios dessa relíquia escondida e afastá-la de uma devastação ainda maior.
Nessa busca pela memória, o mapa da mina são duas aquarelas pintadas pelo padre José Joaquim Viegas de Menezes, em 1809, que retratam as maravilhas da área verde mais bela da província. "É um jardim simétrico, dividido em oito partes, de um estudioso da botânica. Há registro até da contratação de um jardineiro para cuidar das plantas", conta o historiador Moacir Rodrigo de Castro Maia, autor do artigo Uma quinta portuguesa no interior do Brasil, que reconstitui a história do patrimônio, principal base teórica da pesquisa. O trabalho foi concentrado em apenas uma parte do terreno. O trecho, de 1, 2 mil metros quadrados, separa o prédio do ICHS, onde antes funcionava o Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte, e o Palácio dos Bispos, atual sede do Museu da Música, da Arquidiocese de Mariana.
Patrimônio ameaçado
O pontapé para achar os remanescentes ocorreu diante da ameaça de destruição do patrimônio. "Durante a restauração do Palácio dos Bispos, feita entre 2004 e 2007, não houve o cuidado para proteger o terreno, apesar de a obra ter sido autorizada pelo Iphan. Eles construíram uma caixa d'água de 70 mil litros no espaço onde havia a antiga área verde. Ao identificarmos uma parte do muro e uma escada, constatamos, ao mesmo tempo, a existência do jardim e o dano ao patrimônio", lamenta o diretor do ICHS, Ivan Antônio de Almeida. Com as aquarelas em mãos, foi a vez de os arqueólogos Alenice Baeta e Henrique Piló irem a campo atrás de mais evidências de um jardim perdido na história. "É uma bênção encontrar concretamente dados que eram virtuais",
comemora Alenice.
Primeiramente, a área, que estava coberta com quase um metro de entulho, foi limpa e só depois começaram as escavações. Ainda na retirada dos restos da construção civil, relíquias foram descobertas, como uma peça em pedra-sabão, que, de acordo com Alenice, poderia compor uma das fontes do jardim. Estruturas de canalização do século 18, feitas em pedra-sabão, também fazem parte do acervo encontrado. "Havia no entulho trabalhos raros em cantaria (técnica de cortar e entalhar rochas). A partir dessas peças, queremos que jovens possam aprender essa técnica, pouco difundida entre os restauradores" afirma a arqueóloga.
O próximo passo será gramar a área, deixando em evidência os resquícios descobertos, que serão restaurados. Uma exposição sobre o jardim do Palácio dos Bispos também será organizado pelo ICHS, contando a história do lugar e mostrando parte do patrimônio encontrado na pesquisa de campo. Em julho, relatório completo será entregue ao Iphan, que autorizou e acompanhou o trabalho, com a indicação de revitalização do jardim e de pesquisa em toda a extensão do terreno. "Quem valoriza o patrimônio sabe a relíquia de um acervo citado por Saint-Hilaire", destaca Alenice. De acordo com o ecónomo da Arquidiocese de Mariana, padre João Francisco Ribeiro, responsável por concluir as obras do Palácio dos Bispos, a construção da caixa d'água não ocorreu sob sua supervisão. "Foi numa etapa anterior. Não posso responder por uma obra que não é minha", diz.
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