Oito em cada dez brasileiros nunca ouviram falar do AI-5

domingo, 14 de dezembro de 2008


Oito em cada dez brasileiros nunca ouviram falar do AI-5
*MAURICIO PULS* da *Folha de S.Paulo*
*NATÁLIA PAIVA* colaboração para a *Folha de S.Paulo*

Editado há 40 anos pelo general Costa e Silva, o AI-5, o principal símbolo
da ditadura militar, é totalmente ignorado por 82% dos brasileiros a partir
dos 16 anos. E, dos 18% que ouviram falar algo sobre ele, apenas um terço
(32%) respondeu corretamente que a sigla se referia ao Ato Institucional nº 5.

13.dez.1968/Iconographia O então ministro da Justiça Luís Antonio Gama e Silva anuncia o ato AI-5 na Agência Nacional ao lado do locutor Alberto Cury

Editado em 13 de dezembro de 1968 pelo então presidente, o general Costa e
Silva, o AI-5 autorizava o Executivo a fechar o Congresso, cassar mandatos,
demitir e aposentar funcionários de todos os poderes. O governo podia
legislar sobre tudo, e suas decisões não podiam ser contestadas
judicialmente. Em dez anos, o AI-5 serviu de base para a cassação de mais de
cem congressistas. A censura atingiu cerca de 500 filmes, 450 peças, 200
livros e 500 canções.

Passados quase 30 anos de sua extinção, a lembrança do AI-5 vem se
desvanecendo. Como observa o cientista político Marcus Figueiredo, do
Iuperj, isso resulta do fato de que boa parte da população nasceu após 1968:
"O fato tem 40 anos e não faz parte do calendário das datas nacionais". Mas
mesmo no estrato de pessoas com 60 anos ou mais (indivíduos que tinham ao
menos 20 anos quando o AI-5 foi editado), só 26% dizem ter ouvido falar
dele.

O conhecimento sobre o AI-5 cresce à medida que avança a escolaridade
formal. Só 8% das pessoas com ensino fundamental ouviram falar do AI-5. A
taxa sobe para 53% entre quem tem nível superior, mas só 12% desse grupo se
diz bem informado.

Para o sociólogo Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da USP e da
Unicamp, "a variável decisiva é a escolaridade": "É natural que o
desconhecimento exista. A população comum é muito desinformada sobre
questões políticas. O pessoal mal lê jornal. Isso não é só no Brasil. Foi
feita uma pesquisa com jovens da Alemanha, e a grande maioria nunca tinha
ouvido falar de Hitler".

Na opinião do historiador Marco Antônio Villa, da UFSCar, a pesquisa não
revela "nenhuma surpresa": "Nós somos um país sem memória e despolitizado.
Se a política fizesse parte do cotidiano, isso não aconteceria. É um duplo
problema. Isso permite que quem colaborou com a ditadura possa se travestir
de democrata".

Para o historiador Carlos Guilherme Mota, da USP, a pesquisa do Datafolha é
previsível e resulta de um ensino ruim, da falta de financiamento às
universidades e da falta de interesse num projeto nacional calcado no
conhecimento histórico: "Vivemos num país em que as elites não têm
preocupação em incentivar a educação e a pesquisa histórica", diz.

Mais do que um fiasco do sistema escolar, a historiadora Denise Rollemberg,
da UFF, diz tratar-se de um processo que envolve esquecimento e reconstrução
da história: "No Brasil pós-abertura política, quando a democracia passa a
ser valorizada, há uma reconstrução do passado a partir do presente. Nessa
reconstrução esquece-se o que houve para esquecer-se do aval dado".

Daniel Aarão Reis, também da UFF, concorda. Diz que que sempre que uma
sociedade muda de valores surge o desafio de compreender por que se tolerou
a situação agora deixada de lado: "É muito mais simples não falar do
assunto, esquecer".

Um sintoma de que o apoio à ditadura foi mais amplo do que aparenta
transparece na pergunta na qual o pesquisador, após explicar o que foi o
AI-5, questiona se Costa e Silva agiu bem ou mal ao editá-lo: 48% avaliam
que ele agiu mal, e 26% acham que ele agiu bem. A pesquisa foi feita de 25 a
28 de novembro com 3.486 pessoas. A margem de erro é de dois pontos.