Guerra perdida - Revista de História da Biblioteca Nacional

quinta-feira, 25 de junho de 2009


Guerra perdida

Composta por Fernando Henrique Cardoso e outros líderes da América Latina, a Comissão sobre Drogas e Democracia apresentou suas propostas em congresso internacional.
Adriano Belisário na Revista de História da Biblioteca Nacional


Apesar de acompanhar a humanidade desde tempos remotos, o comércio e consumo de tóxicos ainda suscitam polêmicas. Longe de serem encarados com naturalidade, os hábitos são combatidos em diversos países com uma política que ficou conhecida pela alcunha de "guerra contra as drogas". Em resposta a este modelo, outras alternativas tratam o assunto como um problema de saúde pública e não como caso de polícia. É nesta segunda abordagem que se enquadram as propostas da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia.

Os resultados foram apresentados no 28° Congresso Internacional da Latin American Studies Association (LASA), realizado em junho no Rio de Janeiro. A sessão da Comissão contou com a mediação de Eric Hershberg, da Simon Fraser University, além da participação do pesquisador Bruce Bagley, da Universidade de Miami, e de Diego Garcia Sayán, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos que compareceu ao evento cobrindo a ausência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro membro da Comissão.

O ponto de partida dos debates foi a constatação do fracasso da guerra contra as drogas, liderada pelos Estados Unidos e aplicada no mundo todo durante o século XX. Segundo os estudiosos, o caso da América Latina apresenta características bem particulares desta derrota. A mistura da repressão policial com a pobreza teve resultados literalmente explosivos. “Parecia que os Estados Unidos estavam dispostos a lutar contra as drogas até o último colombiano, dispostos a sacrificar um país inteiro”, criticou Bruce. Segundo seus dados, há mais de 350 organizações ligadas ao tráfico de drogas na Colômbia.

Segundo Garcia, os números mostram que tanto a produção quanto o consumo não diminuíram nas últimas décadas na região. Ao contrário, aumentaram. “Há uma relação muito forte entre armas de fogo e tráfico de drogas. Na Guatemala, por exemplo, há regiões totalmente controladas pelo poder paralelo, sequer o Exército tem acesso”, disse Diego.

De acordo com a Comissão, o direcionamento de recursos públicos unicamente para o combate à influência dos traficantes não é a estratégia mais adequada. Diego Garcia apontou uma distorção nas políticas governamentais que seguem esta linha, pois mantém altos os níveis de impunidade ao comércio internacional. “Não existe solução ideal. Precisamos buscar substituir os paradigmas da segurança para a saúde e fazer campanhas que elucidem melhor os efeitos das drogas”, propôs.

O reconhecimento da necessidade de mudanças graduais embasa a proposta de descriminalização da maconha, defendida abertamente por Fernando Henrique Cardoso e toda Comissão. Por ser considerada uma droga de baixo risco, a alteração do estatuto da erva é vista como o primeiro passo de uma longa caminhada. Um passo tímido, na opinião de Bagley.

Críticas às propostas

Bruce reconheceu a necessidade de trabalhar com a redução de danos no lugar da campanha que busca eliminar o uso de drogas por completo. Porém, segundo ele, apenas a descriminalização do uso de maconha não irá resolver o problema dos países andinos ou da Colômbia, tampouco irá acabar com o tráfico. Bagley propõe que se pense também em propostas ainda mais polêmicas, como a revisão da ressalva ao comércio da maconha e a descriminalização da cocaína.

“Eliminar o crime organizado é difícil porque você pode eliminar um, mas rapidamente outros aparecerem. E o informe da Comissão mantém a possibilidade do tráfico e cultivo serem ilegais. Para uma droga ser consumida na Holanda ou em Portugal, é preciso um cultivo e um comércio anterior. Deste modo, iremos apenas encarcerar menos europeus”, sentenciou Bagley.

Bruce lembrou ainda do Harrison Act como o último debate sério sobre drogas nos Estados Unidos. Promulgada em 1914, esta lei pode ser considerada como o ponto de partida da guerra contra os tóxicos. O esforço nesta cruzada conseguiu até mesmo a proibição ao álcool quatro anos depois, mas, ao contrário das demais drogas, esta foi novamente liberada anos depois.

A revisão daquela legislação inspira a Comissão, que pretende uma mudança nos rumos das políticas públicas sobre drogas na América Latina. Desta vez, porém, as decisões não devem cair do norte. “A América Latina não pode esperar os Estados Unidos nesse assunto”, incitou Bagley ao final de seu discurso.