Matéria muito boa, no caderno Prosa & Verso, no jornal O Globo de hoje...
duas entrevistas esclarecedoras, com as historiadoras Ângela de Castro Gomes
e Maria Celina D´Araújo.
*Contornos do Estado
*
Forte, indutor, regulador. O Estado é protagonista dos discursos de José
Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), nos quais sobram superlativos e o
adjetivo "mínimo" é evitado. Serra se lançou pré-candidato à Presidência
defendendo o "ativismo governamental".
Dilma ecoa Lula na defesa de um Estado "indutor", escorada na popularidade
de programas como o PAC e o Bolsa Família. Que ideia de Estado surgirá nos
debates e sairá das urnas? A intervenção estatal é tradição que formou nossa
cultura política, diz a historiadora Ângela de Castro Gomes. Para a
cientista política Maria Celina D'Araújo, o debate sobre tamanho e funções
do Estado está no centro da campanha, para a qual Marina Silva (PV) acena
com outras questões. Interlocutores próximos aos candidatos deixam claro que
as diferenças vão além dos bordões.
*País onde a intervenção é tradição*
*Presença estatal na economia e nas relações sociais moldou a cultura
política dos brasileiros, diz historiadora*
*ENTREVISTA - Ângela de Castro Gomes*
Uma das mais importantes pesquisadoras de questões ligadas à legislação
trabalhista no Brasil, a historiadora Ângela de Castro Gomes diz que a
própria concepção de cidadania e de Estado do brasileiro é formada a partir
de uma experiência de intervenção estatal na atividade econômica e na vida
social. A regulação das relações de trabalho é um dos eixos dessa atuação,
afirma. Professora titular da UFF e coordenadora da pós-graduação em
História, Política e Bens Culturais do CPDOC/FGV (Centro de Pesquisa e
Documentação da Fundação Getulio Vargas), ela conversou com O GLOBO sobre a
história da definição das atribuições do Estado no Brasil.
*Miguel Conde*
*O GLOBO: Declarações de Dilma Rousseff e José Serra sugerem que a discussão
sobre o tamanho e atribuições do Estado será recorrente na campanha
presidencial. Num artigo recente, o historiador Daniel Aarão Reis propôs um
enfoque mais amplo para essa questão, constatando o retorno na América
Latina de uma tradição nacional-estatista, que parecia abandonada em favor
de um ideário mais liberal.
Que tradição é essa?
ÂNGELA DE CASTRO GOMES:* Não há exatamente uma tradição política nomeada
como nacionalestatismo, mas essa noção pode ser usada para designar uma
tradição de intervenção do Estado em certos assuntos, econômicos e sociais,
nos quais o Estado de finais do século XIX e início do século XX não atuava.
Embora o Estado liberal tampouco fosse um Estado ausente, como às vezes se
diz, ele tinha restrições que são revistas a partir da crise de 1929 e da
Segunda Guerra.
A partir daí se constroi um outro paradigma de ação do Estado, atuante em
assuntos até então não tocados. O exemplo mais clássico é o da regulação do
mercado de trabalho, com as leis ditas trabalhistas. Mas nem todos Estados
que aumentam seu grau de intervenção aumentam da mesma maneira.
No caso do Brasil, o trabalho é uma área prioritária na construção dessa
tradição política.
O nosso Estado intervencionista é um Estado que atua na área do mercado de
trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, não.
*Quais são os modelos principais entre os vários diferentes dentro dessa
linhagem?
ÂNGELA:* Nos Estados Unidos, a quebra da bolsa de valores em 1929
desencadeia um intervencionismo mais econômico, keynesiano, em que o Estado
faz grandes empreendimentos e cria empregos. Por outro lado, após a Segunda
Guerra surge na Europa o Estado de bem-estar social, onde há patamares
mínimos em relação à saúde, educação, previdência. O Brasil caminha nos dois
sentidos. A intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais marca
nossa concepção de cidadania.
*Existe alguma relação necessária entre autoritarismo e estatismo?
ÂNGELA:* Todo tipo de liderança se apropriou dessa tradição.
Em Getúlio Vargas, que é um marco inicial, essas coisas caminham muito perto
uma da outra. Já o governo JK não tem um projeto autoritário, embora
trabalhe com essa tradição nacional-estatista, se apropriando dela e
adequandoa às questões que estavam sendo eleitas politicamente como
decisivas naquele momento.
No regime militar também há um Estado intervencionista, mas em outro modelo,
e sem o elemento carismático de Getúlio ou Juscelino.
*De que maneira o estatismo se liga à nossa concepção de cidadania, como a
senhora disse?
ÂNGELA:* Existe uma noção dos deveres do Estado que é informada por essa
tradição.
Isso começa já nos períodos de 1930 e 1940, com o estabelecimento dos
direitos do trabalho, o que gera por exemplo na década de 1950 mobilizações
de trabalhadores rurais que também querem ser contemplados por essa
regulação.
Mais recentemente, por exemplo, tivemos problemas com as chuvas. Os cidadãos
brasileiros em nenhum momento duvidam que o Estado tem obrigação de atuar
nesses casos. Isso que parece para a gente natural não é natural em outras
culturas políticas. O exemplo americano quando do furacão Katrina mostrou
isso. Se houvesse uma tragédia daquelas proporções no Brasil, seria
inconcebível que o nosso governo federal reagisse como o governo americano
reagiu.
*É comum ouvir que a intervenção do Estado muitas vezes cria relações de
dependência, mas a senhora destaca uma outra consequência, que é uma
tradição de cobrança.
ÂNGELA:* Essa forma de analisar a intervenção estatal é muito capenga e às
vezes até maldosa. Não compartilho da ideia de que a população brasileiras e
ja não participativa e não solidária . A nossa população é participativa
politicamente, aprendeu a ser assim.
*Até que ponto, em sua opinião, o governo Fernando Henrique Cardoso pôs em
questão essa tradição? Houve uma mudança mais econômica, com as
privatizações de empresas, ou também em outros setores?
ÂNGELA:* Houve um questionamento amplo desse modelo.
No fim do governo Fernando Henrique havia uma proposta que havia sido votada
já, mas não tramitou até o fim, que significaria uma diminuição muito grande
de direitos do trabalho, pois valeria mais o contratado do que o legislado.
E isso teria impactos muito grandes num certo patamar mínimo de direitos do
trabalho.
*Mas durante o governo FH também houve criação e ampliação de programas de
amparo social. Haveria iniciativas contraditórias do ponto de vista dessa
tradição?
ÂNGELA:* Claro. O Estado é composto por elites e grupos políticos que muitas
vezes defendem políticas conflitantes.
As iniciativas nem sempre combinam umas com as outras.
*E hoje há um retorno a um modelo anterior de Estado?
ÂNGELA:* A primeira década do século XXI, sobretudo o final da década, pôs
em questão postulados de que o Estado não deveria atuar em certas áreas, mas
não acho que se tenha voltado a um modelo de décadas atrás. Se na década de
1930 e 1940 se imaginava, sobretudo em países do tipo do Brasil, que o
Estado devesse ter uma pauta de ação de X itens, hoje é muito mais
discutível o tamanho desse X. E além disso mudou a percepção das formas como
o Estado pode intervir. Hoje concorda-se que muita coisa pode ser feita em
parceria com a sociedade, tanto com empresas privadas quanto com outro tipo
de associação.
Há ONGs péssimas e outras muito boas que fazem coisas ótimas, e o Estado
pode ser parceiro delas também. Isso abre as possibilidades para você
imaginar a atuação do Estado.
*O que um programa como o Bolsa Família cria de expectativas do cidadão na
sua relação com o Estado?
ÂNGELA:* De modo geral, cada vez mais determinado tipo de ausência do Estado
é entendida como intolerável na nossa democracia. No caso do Bolsa Família,
há uma crítica de que seria uma política mais paliativa do que
transformadora.
Além disso, é certo que os níveis de desvio de dinheiro, para não falar de
corrupção explícita, são coisas muito graves.
Mas é bom lembrar que há uma continuidade. O Bolsa Família surge do Bolsa
Escola, implantado antes de o PT chegar ao poder. Projetos como esse se
tornam tão importantes que os partidos podem até mudá-los, mas não
simplesmente acabar com eles. E o que se vê é que em função de iniciativas
como essa é que temos hoje um número muito maior de crianças na escola.
Ainda temos trabalho infantil, mas certamente com programas como esse é mais
fácil você convencer uma família muito pobre de que o filho dela tem que ir
para a escola em vez de trabalhar. A família pode se acomodar, é verdade,
mas muitas famílias não colocariam seus filhos na escola se não fosse por
aquele rendimento.
Essas políticas são muitas vezes ambivalentes.
*Entre o 'indutor' e o 'regulador'*
*Cientista política aponta diferenças e semelhanças entre os modelos de
Estado propostos por Dilma e Serra
*
*ENTREVISTA: Maria Celina D'Araújo*
Autora de mais de 20 obras sobre governantes brasileiros, de Getúlio Vargas
a Lula, a cientista política Maria Celina D'Araújo, professora da PUC-Rio,
acredita que esta eleição coloca "de forma definitiva" a questão do tamanho
e das funções do Estado. Segundo ela, enquanto Dilma Rousseff segue o modelo
de Estado "indutor" adotado por Lula, com um viés desenvolvimentista que
remete à Era Vargas, José Serra propõe uma articulação entre Estado, mercado
e sociedade que valoriza agências reguladoras criadas por Fernando Henrique
Cardoso. Já a candidatura de Marina Silva, avalia Maria Celina, debate o
futuro do país não a partir de ideologias de Estado, mas de temas como meio
ambiente e sustentabilidade.
*Guilherme Freitas*
*O GLOBO: No atual estágio da campanha, é possível dizer se o papel do
Estado será um tema central no debate eleitoral?
MARIA CELINA D'ARAÚJO:* Já está sendo. A campanha já trouxe para a agenda
política nacional a questão do tamanho do Estado e das funções do Estado.
Este debate ficou nas entrelinhas nos últimos 15 anos, quando se deu mais na
forma de uma troca de acusações entre governo e oposição. Agora volta como
uma questão doutrinária, colocada de forma definitiva: qual é o papel do
Estado? Qual deve ser o tamanho do estado? Quais são as funções do Estado?
Isso fica claro na retomada que a campanha de Dilma faz da questão do Estado
desenvolvimentista, um Estado que dirige a economia, planeja e faz
investimentos diretos. Esse é o modelo econômico da Era Vargas, que a
campanha dela tem trazido para o debate como uma necessidade. Esse modelo da
Era Vargas — o modelo econômico, não o político — se esgotou na década de
1980, com a crise fiscal.
Um Estado desenvolvimentista significa um Estado com capacidade de investir,
e desde os anos 1980 o Estado brasileiro investe muito pouco.
*O aceno de Dilma em direção a um Estado desenvolvimentista seria questão de
retórica?
MARIA CELINA:* Sim. Mesmo no governo Lula, embora ele tenha feito uma defesa
do Estado desenvolvimentista e criado várias estatais, as intervenções na
dinâmica da economia foram pouco expressivas. Essa dinâmica está dada desde
o governo Fernando Henrique por um modelo que não é estatizante. Desde os
anos 1980, o Brasil vem abandonando um modelo estatizante, um modelo de
mercado com alguma regulação, e isso não foi mudado no governo Lula.
A taxa de investimento do Estado hoje é muito baixa, porque ele não tem
dinheiro para fazer grandes investimentos. Veja o caso da usina de Belo
Monte: ela só pode ser feita através de um leilão. Isso é muito diferente de
construir uma Itaipu, como o Estado fez nos anos 1970. Mesmo as obras do
PAC, que são investimentos muito importantes em moradia e saneamento, por
exemplo, não podem ser comparadas, em termos de escala, às obras promovidas
pelo Estado nos anos 1950 e 1960.
*Lula usa muito o termo "Estado indutor", que Dilma adotou na campanha. Como
esse discurso ecoa na sociedade?
MARIA CELINA:* Isso também é Era Vargas: o Estado que induz, que aponta o
caminho e vai à frente da sociedade. Ao defender o desenvolvimentismo, Dilma
apresenta uma proposta ideológica de Estado grande e forte. Essa proposta
tem uma ressonância nacional muito grande. A sociedade brasileira gosta de
Estado. O Estado é visto como bom empregador, embora não como bom prestador
de serviços. Mas é visto como bom empregador e bom empresário.
A sociedade brasileira sofreu com as privatizações, porque acredita que a
empresa estatal é melhor que a empresa privada. Isso é uma característica
nossa, há uma "Estadolatria" muito interessante, que perpassa vários setores
da sociedade, das camadas populares às mais ricas, e várias ideologias,
tanto de direita quanto de esquerda.
*Há diferenças significativas entre os modelos de Estado propostos pelos
candidatos?
MARIA CELINA:* O discurso de defesa do Estado feito por Dilma é mais forte
que o de Serra. Embora também tenha apreço pelo Estado e seja um
social-democrata, Serra deve bater na tecla da articulação entre Estado,
sociedade e mercado. Dilma bate na tecla do Estado mais forte, do Estado que
"induz" sociedade e mercado. Isso no nível do discurso.
Na prática, há limites estruturais para uma política mais estatizante. Tanto
há limites que o governo Lula não adotou uma política desse tipo. Teve oito
anos para rever as privatizações, por exemplo, e não fez isso.
O discurso estatizante mais à esquerda tem esbarrado em soluções
pragmáticas.
*E quais seriam as características da visão de Estado defendida por Serra?
MARIA CELINA:* Seria um Estado mais regulador, que faria a articulação com
sociedade e mercado principalmente através de agências reguladoras. Essas
agências também apontam uma diferença entre os dois projetos.
Elas foram criadas no governo Fernando Henrique, o PT foi contra, e o
governo Lula devolveu aos ministérios boa parte do poder acumulado por elas.
O Estado, na visão de Serra, teria mais agências reguladoras e menos inchaço
nos ministérios.
*Lula e Fernando Henrique colocaram em prática concepções distintas do papel
do Estado?
MARIA CELINA:* Quem mexeu efetivamente na arrumação econômica do Estado foi
Fernando Henrique. Fez uma reforma do Estado, mexeu nas organizações
econômicas estatais e pagou um preço por isso. Paga até hoje. As
privatizações provocaram uma certa mágoa na sociedade brasileira em relação
ao governo Fernando Henrique, que não conseguiu convencer a sociedade sobre
a privatização de estatais como Vale e CSN, por exemplo, vistas como
emblemas da soberania nacional. Lula não precisou correr um risco político
tão grande. Não é que ele não quis fazer grandes mudanças econômicas.
Ele não precisou.
*A questão da intervenção do Estado na sociedade através de programas de
redistribuição de renda, como o Bolsa Família, também divide os candidatos?
MARIA CELINA:* A questão das políticas sociais no Brasil começou a ser
discutida há muito tempo. No governo Sarney já existiam programas de
distribuição de tíquete para leite e cestas básicas, por exemplo. O Estado
brasileiro começou a praticar políticas sociais há 25 anos e isso foi se
aprimorando até chegarmos ao Bolsa Escola, de Fernando Henrique, e ao Bolsa
Família, de Lula, que não distribuem mais tíquetes de alimentos, e sim
recursos para que as pessoas façam suas próprias escolhas, o que é uma
política muito mais moderna. Isso está sendo debatido há muito tempo e não
se poder dizer que há tantas diferenças assim entre os candidatos ou que os
programas podem ser descontinuados em caso de mudança de governo.
Eles podem até mudar de nome, mas vão continuar.
*Como a candidatura de Marina Silva contribui para o debate sobre o papel do
Estado nestas eleições?
MARIA CELINA:* Marina é oxigênio novo na campanha, porque ela não discute o
Estado, não traz para o debate esses temas tradicionais da política. A
plataforma de Marina propõe que se pense o futuro do país não só em termos
de ideologia, de haver mais Estado ou menos Estado, mas sim a partir de
outras questões como meio ambiente, consumo, desenvolvimento sustentável. E
essa plataforma terá que ser absorvida pelos outros candidatos e pela agenda
do próximo presidente, independentemente do desempenho dela nas eleições.
*Plano de Dilma sem radicalismos*
*Palocci e Pimentel são figuras centrais nos programas da ex-ministra*
*Diana Fernandes
BRASÍLIA*
Entrevistas e discursos da ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff
evidenciam sua tendência de, se eleita presidente da República, pôr em
prática um programa ancorado no conceito do Estado forte, com importante
papel regulador e focado em investimentos em infraestrutura.
Ao lado desses investimentos públicos em grandes empreendimentos, sua
proposta prevê ações voltadas para as cidades, especialmente as regiões
metropolitanas das grandes capitais. À frente do seu programa de governo
para a área econômica estarão dois companheiros do PT que já ocuparam cargos
de destaque: o paulista Antonio Palocci, exministro da Fazenda; e o mineiro
Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte.
Médico, 49 anos, ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP) e atualmente deputado
federal, Antonio Palocci Filho foi o primeiro ministro da Fazenda do governo
Lula. Apesar da inexperiência na área econômica, conquistou a confiança dos
meios político e empresarial ao implementar medidas que levaram à queda da
inflação, ao crescimento recorde das exportações e ao aumento do consumo.
Saiu chamuscado do governo, em março de 2006, sob a denúncia de ter
autorizado a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Ele
sofreu ainda outras acusações, mas nenhuma resultou em condenação.
*Projeto para tranquilizar sociedade e empresariado*
Agora ele faz parte do comando da campanha petista, com a responsabilidade
de desenhar uma proposta que mantenha os pilares da atual política do
governo Lula, mas afaste o radicalismo proposto pelo próprio PT, em seu
Congresso Nacional de fevereiro, para que não paire dúvidas na sociedade e
no empresariado, em especial: não há risco de retrocesso no modelo econômico
hoje em vigor no Brasil.
Em relação às ações voltadas para as populações das periferias dos grandes
centros, a précandidata Dilma contará com a colaboração do companheiro de
partido e amigo Fernando Pimentel. Os dois se conheceram no início dos anos
1970, quando lutaram em grupos distintos contra a ditadura militar.
Pimentel, como Dilma, ficou preso três anos entre 1970 e 1973. Hoje, também
é do comando da campanha de Dilma e terá grande influência na confecção do
plano de governo.
Antes de chegar à prefeitura de Belo Horizonte como viceprefeito, em 2001,
Fernando Pimentel, economista, 50 anos, foi secretário municipal da Fazenda
entre 1993 e 1996, na gestão do também petista Patrus Ananias. Em abril de
2003, ele assumiu a prefeitura de BH no lugar do prefeito eleito Célio de
Castro, que, doente, se aposentou.
Sua gestão foi marcada por grandes investimentos nas áreas urbana e social,
com destaque para um programa de urbanização de vilas e favelas, o Vila
Viva.
*'Confraria' de Serra contra estatais*
*Grupo próximo ao candidato defende Estado 'ativo', mas não produtor
*
Sérgio Roxo - SÃO PAULO
Discutir economia é uma atividade constante na vida do précandidato do PSDB
à Presidência, José Serra. O tucano conta com um grupo de especialistas que
são consultados para debater ideias, novos estudos e medidas para a área.
A "confraria econômica" do exgovernador de São Paulo é dominada por técnicos
que trabalharam no Banco Econômico de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e professores da Unicamp, onde Serra deu aula no final dos anos 70 e
início dos 80.
As conversas se dão por email ou em almoços. Muita vezes, o tucano pede aos
economistas de sua confiança levantamentos sobre determinado tema. Também
avalia sugestões apresentadas por eles.
Mas em certas ocasiões "espinafra logo de cara" e encerra discussões de
assuntos que considera "bobagens", conta um integrante da "confraria".
Contemporâneo de Serra na Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, de 67 anos, faz
parte do grupo de economistas ouvidos pelo pré-candidato. Classificado como
desenvolvimentista clássico, Belluzo foi secretário de política econômica do
Ministério da Fazenda no governo Sarney (19851990) e também tem boa relação
com o presidente Lula, chegando a ser consultado antes do anúncio de medidas
econômicas importantes durante o governo petista.
*Dar condições para o crescimento das empresas*
Também professor da Unicamp, mas de uma outra geração, Geraldo Biasoto Jr.,
de 48 anos, é hoje um dos economistas mais próximos do pré-candidato do
PSDB. Diretor-executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do
Estado de São Paulo (Fundap), deve ter papel importante na formulação do
programa de governo tanto na área macroeconômica como nas propostas de
desenvolvimento social.
Biasoto Jr. defende um Estado "ativo e presente" na gestão da economia, mas
não vê necessidade de criação de estatais para promoção do desenvolvimento,
por exemplo: mdash; A flexibilidade exigida hoje em dia não permite.
O economista afirma que cabe ao Estado reconhecer as potencialidades de cada
setor e viabilizar as condições para que as empresas possam se desenvolver.
Biasoto Jr. conheceu Serra, em 1998, por meio de um outro economista que faz
parte da "confraria": José Roberto Afonso, que trabalhou no BNDES. O tucano
era senador na época.
Também oriundo do banco, o deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas
(PSDB-ES) é outro economista que costuma ser ouvido pelo ex-governador.
Coordenador do programa de governo de Serra na campanha presidencial de
2002, ele concorda que o governo não precisa de novas estatais: — O debate
sobre a participação estatal foi resolvido há 25 anos no país.
duas entrevistas esclarecedoras, com as historiadoras Ângela de Castro Gomes
e Maria Celina D´Araújo.
*Contornos do Estado
*
Forte, indutor, regulador. O Estado é protagonista dos discursos de José
Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), nos quais sobram superlativos e o
adjetivo "mínimo" é evitado. Serra se lançou pré-candidato à Presidência
defendendo o "ativismo governamental".
Dilma ecoa Lula na defesa de um Estado "indutor", escorada na popularidade
de programas como o PAC e o Bolsa Família. Que ideia de Estado surgirá nos
debates e sairá das urnas? A intervenção estatal é tradição que formou nossa
cultura política, diz a historiadora Ângela de Castro Gomes. Para a
cientista política Maria Celina D'Araújo, o debate sobre tamanho e funções
do Estado está no centro da campanha, para a qual Marina Silva (PV) acena
com outras questões. Interlocutores próximos aos candidatos deixam claro que
as diferenças vão além dos bordões.
*País onde a intervenção é tradição*
*Presença estatal na economia e nas relações sociais moldou a cultura
política dos brasileiros, diz historiadora*
*ENTREVISTA - Ângela de Castro Gomes*
Uma das mais importantes pesquisadoras de questões ligadas à legislação
trabalhista no Brasil, a historiadora Ângela de Castro Gomes diz que a
própria concepção de cidadania e de Estado do brasileiro é formada a partir
de uma experiência de intervenção estatal na atividade econômica e na vida
social. A regulação das relações de trabalho é um dos eixos dessa atuação,
afirma. Professora titular da UFF e coordenadora da pós-graduação em
História, Política e Bens Culturais do CPDOC/FGV (Centro de Pesquisa e
Documentação da Fundação Getulio Vargas), ela conversou com O GLOBO sobre a
história da definição das atribuições do Estado no Brasil.
*Miguel Conde*
*O GLOBO: Declarações de Dilma Rousseff e José Serra sugerem que a discussão
sobre o tamanho e atribuições do Estado será recorrente na campanha
presidencial. Num artigo recente, o historiador Daniel Aarão Reis propôs um
enfoque mais amplo para essa questão, constatando o retorno na América
Latina de uma tradição nacional-estatista, que parecia abandonada em favor
de um ideário mais liberal.
Que tradição é essa?
ÂNGELA DE CASTRO GOMES:* Não há exatamente uma tradição política nomeada
como nacionalestatismo, mas essa noção pode ser usada para designar uma
tradição de intervenção do Estado em certos assuntos, econômicos e sociais,
nos quais o Estado de finais do século XIX e início do século XX não atuava.
Embora o Estado liberal tampouco fosse um Estado ausente, como às vezes se
diz, ele tinha restrições que são revistas a partir da crise de 1929 e da
Segunda Guerra.
A partir daí se constroi um outro paradigma de ação do Estado, atuante em
assuntos até então não tocados. O exemplo mais clássico é o da regulação do
mercado de trabalho, com as leis ditas trabalhistas. Mas nem todos Estados
que aumentam seu grau de intervenção aumentam da mesma maneira.
No caso do Brasil, o trabalho é uma área prioritária na construção dessa
tradição política.
O nosso Estado intervencionista é um Estado que atua na área do mercado de
trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, não.
*Quais são os modelos principais entre os vários diferentes dentro dessa
linhagem?
ÂNGELA:* Nos Estados Unidos, a quebra da bolsa de valores em 1929
desencadeia um intervencionismo mais econômico, keynesiano, em que o Estado
faz grandes empreendimentos e cria empregos. Por outro lado, após a Segunda
Guerra surge na Europa o Estado de bem-estar social, onde há patamares
mínimos em relação à saúde, educação, previdência. O Brasil caminha nos dois
sentidos. A intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais marca
nossa concepção de cidadania.
*Existe alguma relação necessária entre autoritarismo e estatismo?
ÂNGELA:* Todo tipo de liderança se apropriou dessa tradição.
Em Getúlio Vargas, que é um marco inicial, essas coisas caminham muito perto
uma da outra. Já o governo JK não tem um projeto autoritário, embora
trabalhe com essa tradição nacional-estatista, se apropriando dela e
adequandoa às questões que estavam sendo eleitas politicamente como
decisivas naquele momento.
No regime militar também há um Estado intervencionista, mas em outro modelo,
e sem o elemento carismático de Getúlio ou Juscelino.
*De que maneira o estatismo se liga à nossa concepção de cidadania, como a
senhora disse?
ÂNGELA:* Existe uma noção dos deveres do Estado que é informada por essa
tradição.
Isso começa já nos períodos de 1930 e 1940, com o estabelecimento dos
direitos do trabalho, o que gera por exemplo na década de 1950 mobilizações
de trabalhadores rurais que também querem ser contemplados por essa
regulação.
Mais recentemente, por exemplo, tivemos problemas com as chuvas. Os cidadãos
brasileiros em nenhum momento duvidam que o Estado tem obrigação de atuar
nesses casos. Isso que parece para a gente natural não é natural em outras
culturas políticas. O exemplo americano quando do furacão Katrina mostrou
isso. Se houvesse uma tragédia daquelas proporções no Brasil, seria
inconcebível que o nosso governo federal reagisse como o governo americano
reagiu.
*É comum ouvir que a intervenção do Estado muitas vezes cria relações de
dependência, mas a senhora destaca uma outra consequência, que é uma
tradição de cobrança.
ÂNGELA:* Essa forma de analisar a intervenção estatal é muito capenga e às
vezes até maldosa. Não compartilho da ideia de que a população brasileiras e
ja não participativa e não solidária . A nossa população é participativa
politicamente, aprendeu a ser assim.
*Até que ponto, em sua opinião, o governo Fernando Henrique Cardoso pôs em
questão essa tradição? Houve uma mudança mais econômica, com as
privatizações de empresas, ou também em outros setores?
ÂNGELA:* Houve um questionamento amplo desse modelo.
No fim do governo Fernando Henrique havia uma proposta que havia sido votada
já, mas não tramitou até o fim, que significaria uma diminuição muito grande
de direitos do trabalho, pois valeria mais o contratado do que o legislado.
E isso teria impactos muito grandes num certo patamar mínimo de direitos do
trabalho.
*Mas durante o governo FH também houve criação e ampliação de programas de
amparo social. Haveria iniciativas contraditórias do ponto de vista dessa
tradição?
ÂNGELA:* Claro. O Estado é composto por elites e grupos políticos que muitas
vezes defendem políticas conflitantes.
As iniciativas nem sempre combinam umas com as outras.
*E hoje há um retorno a um modelo anterior de Estado?
ÂNGELA:* A primeira década do século XXI, sobretudo o final da década, pôs
em questão postulados de que o Estado não deveria atuar em certas áreas, mas
não acho que se tenha voltado a um modelo de décadas atrás. Se na década de
1930 e 1940 se imaginava, sobretudo em países do tipo do Brasil, que o
Estado devesse ter uma pauta de ação de X itens, hoje é muito mais
discutível o tamanho desse X. E além disso mudou a percepção das formas como
o Estado pode intervir. Hoje concorda-se que muita coisa pode ser feita em
parceria com a sociedade, tanto com empresas privadas quanto com outro tipo
de associação.
Há ONGs péssimas e outras muito boas que fazem coisas ótimas, e o Estado
pode ser parceiro delas também. Isso abre as possibilidades para você
imaginar a atuação do Estado.
*O que um programa como o Bolsa Família cria de expectativas do cidadão na
sua relação com o Estado?
ÂNGELA:* De modo geral, cada vez mais determinado tipo de ausência do Estado
é entendida como intolerável na nossa democracia. No caso do Bolsa Família,
há uma crítica de que seria uma política mais paliativa do que
transformadora.
Além disso, é certo que os níveis de desvio de dinheiro, para não falar de
corrupção explícita, são coisas muito graves.
Mas é bom lembrar que há uma continuidade. O Bolsa Família surge do Bolsa
Escola, implantado antes de o PT chegar ao poder. Projetos como esse se
tornam tão importantes que os partidos podem até mudá-los, mas não
simplesmente acabar com eles. E o que se vê é que em função de iniciativas
como essa é que temos hoje um número muito maior de crianças na escola.
Ainda temos trabalho infantil, mas certamente com programas como esse é mais
fácil você convencer uma família muito pobre de que o filho dela tem que ir
para a escola em vez de trabalhar. A família pode se acomodar, é verdade,
mas muitas famílias não colocariam seus filhos na escola se não fosse por
aquele rendimento.
Essas políticas são muitas vezes ambivalentes.
*Entre o 'indutor' e o 'regulador'*
*Cientista política aponta diferenças e semelhanças entre os modelos de
Estado propostos por Dilma e Serra
*
*ENTREVISTA: Maria Celina D'Araújo*
Autora de mais de 20 obras sobre governantes brasileiros, de Getúlio Vargas
a Lula, a cientista política Maria Celina D'Araújo, professora da PUC-Rio,
acredita que esta eleição coloca "de forma definitiva" a questão do tamanho
e das funções do Estado. Segundo ela, enquanto Dilma Rousseff segue o modelo
de Estado "indutor" adotado por Lula, com um viés desenvolvimentista que
remete à Era Vargas, José Serra propõe uma articulação entre Estado, mercado
e sociedade que valoriza agências reguladoras criadas por Fernando Henrique
Cardoso. Já a candidatura de Marina Silva, avalia Maria Celina, debate o
futuro do país não a partir de ideologias de Estado, mas de temas como meio
ambiente e sustentabilidade.
*Guilherme Freitas*
*O GLOBO: No atual estágio da campanha, é possível dizer se o papel do
Estado será um tema central no debate eleitoral?
MARIA CELINA D'ARAÚJO:* Já está sendo. A campanha já trouxe para a agenda
política nacional a questão do tamanho do Estado e das funções do Estado.
Este debate ficou nas entrelinhas nos últimos 15 anos, quando se deu mais na
forma de uma troca de acusações entre governo e oposição. Agora volta como
uma questão doutrinária, colocada de forma definitiva: qual é o papel do
Estado? Qual deve ser o tamanho do estado? Quais são as funções do Estado?
Isso fica claro na retomada que a campanha de Dilma faz da questão do Estado
desenvolvimentista, um Estado que dirige a economia, planeja e faz
investimentos diretos. Esse é o modelo econômico da Era Vargas, que a
campanha dela tem trazido para o debate como uma necessidade. Esse modelo da
Era Vargas — o modelo econômico, não o político — se esgotou na década de
1980, com a crise fiscal.
Um Estado desenvolvimentista significa um Estado com capacidade de investir,
e desde os anos 1980 o Estado brasileiro investe muito pouco.
*O aceno de Dilma em direção a um Estado desenvolvimentista seria questão de
retórica?
MARIA CELINA:* Sim. Mesmo no governo Lula, embora ele tenha feito uma defesa
do Estado desenvolvimentista e criado várias estatais, as intervenções na
dinâmica da economia foram pouco expressivas. Essa dinâmica está dada desde
o governo Fernando Henrique por um modelo que não é estatizante. Desde os
anos 1980, o Brasil vem abandonando um modelo estatizante, um modelo de
mercado com alguma regulação, e isso não foi mudado no governo Lula.
A taxa de investimento do Estado hoje é muito baixa, porque ele não tem
dinheiro para fazer grandes investimentos. Veja o caso da usina de Belo
Monte: ela só pode ser feita através de um leilão. Isso é muito diferente de
construir uma Itaipu, como o Estado fez nos anos 1970. Mesmo as obras do
PAC, que são investimentos muito importantes em moradia e saneamento, por
exemplo, não podem ser comparadas, em termos de escala, às obras promovidas
pelo Estado nos anos 1950 e 1960.
*Lula usa muito o termo "Estado indutor", que Dilma adotou na campanha. Como
esse discurso ecoa na sociedade?
MARIA CELINA:* Isso também é Era Vargas: o Estado que induz, que aponta o
caminho e vai à frente da sociedade. Ao defender o desenvolvimentismo, Dilma
apresenta uma proposta ideológica de Estado grande e forte. Essa proposta
tem uma ressonância nacional muito grande. A sociedade brasileira gosta de
Estado. O Estado é visto como bom empregador, embora não como bom prestador
de serviços. Mas é visto como bom empregador e bom empresário.
A sociedade brasileira sofreu com as privatizações, porque acredita que a
empresa estatal é melhor que a empresa privada. Isso é uma característica
nossa, há uma "Estadolatria" muito interessante, que perpassa vários setores
da sociedade, das camadas populares às mais ricas, e várias ideologias,
tanto de direita quanto de esquerda.
*Há diferenças significativas entre os modelos de Estado propostos pelos
candidatos?
MARIA CELINA:* O discurso de defesa do Estado feito por Dilma é mais forte
que o de Serra. Embora também tenha apreço pelo Estado e seja um
social-democrata, Serra deve bater na tecla da articulação entre Estado,
sociedade e mercado. Dilma bate na tecla do Estado mais forte, do Estado que
"induz" sociedade e mercado. Isso no nível do discurso.
Na prática, há limites estruturais para uma política mais estatizante. Tanto
há limites que o governo Lula não adotou uma política desse tipo. Teve oito
anos para rever as privatizações, por exemplo, e não fez isso.
O discurso estatizante mais à esquerda tem esbarrado em soluções
pragmáticas.
*E quais seriam as características da visão de Estado defendida por Serra?
MARIA CELINA:* Seria um Estado mais regulador, que faria a articulação com
sociedade e mercado principalmente através de agências reguladoras. Essas
agências também apontam uma diferença entre os dois projetos.
Elas foram criadas no governo Fernando Henrique, o PT foi contra, e o
governo Lula devolveu aos ministérios boa parte do poder acumulado por elas.
O Estado, na visão de Serra, teria mais agências reguladoras e menos inchaço
nos ministérios.
*Lula e Fernando Henrique colocaram em prática concepções distintas do papel
do Estado?
MARIA CELINA:* Quem mexeu efetivamente na arrumação econômica do Estado foi
Fernando Henrique. Fez uma reforma do Estado, mexeu nas organizações
econômicas estatais e pagou um preço por isso. Paga até hoje. As
privatizações provocaram uma certa mágoa na sociedade brasileira em relação
ao governo Fernando Henrique, que não conseguiu convencer a sociedade sobre
a privatização de estatais como Vale e CSN, por exemplo, vistas como
emblemas da soberania nacional. Lula não precisou correr um risco político
tão grande. Não é que ele não quis fazer grandes mudanças econômicas.
Ele não precisou.
*A questão da intervenção do Estado na sociedade através de programas de
redistribuição de renda, como o Bolsa Família, também divide os candidatos?
MARIA CELINA:* A questão das políticas sociais no Brasil começou a ser
discutida há muito tempo. No governo Sarney já existiam programas de
distribuição de tíquete para leite e cestas básicas, por exemplo. O Estado
brasileiro começou a praticar políticas sociais há 25 anos e isso foi se
aprimorando até chegarmos ao Bolsa Escola, de Fernando Henrique, e ao Bolsa
Família, de Lula, que não distribuem mais tíquetes de alimentos, e sim
recursos para que as pessoas façam suas próprias escolhas, o que é uma
política muito mais moderna. Isso está sendo debatido há muito tempo e não
se poder dizer que há tantas diferenças assim entre os candidatos ou que os
programas podem ser descontinuados em caso de mudança de governo.
Eles podem até mudar de nome, mas vão continuar.
*Como a candidatura de Marina Silva contribui para o debate sobre o papel do
Estado nestas eleições?
MARIA CELINA:* Marina é oxigênio novo na campanha, porque ela não discute o
Estado, não traz para o debate esses temas tradicionais da política. A
plataforma de Marina propõe que se pense o futuro do país não só em termos
de ideologia, de haver mais Estado ou menos Estado, mas sim a partir de
outras questões como meio ambiente, consumo, desenvolvimento sustentável. E
essa plataforma terá que ser absorvida pelos outros candidatos e pela agenda
do próximo presidente, independentemente do desempenho dela nas eleições.
*Plano de Dilma sem radicalismos*
*Palocci e Pimentel são figuras centrais nos programas da ex-ministra*
*Diana Fernandes
BRASÍLIA*
Entrevistas e discursos da ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff
evidenciam sua tendência de, se eleita presidente da República, pôr em
prática um programa ancorado no conceito do Estado forte, com importante
papel regulador e focado em investimentos em infraestrutura.
Ao lado desses investimentos públicos em grandes empreendimentos, sua
proposta prevê ações voltadas para as cidades, especialmente as regiões
metropolitanas das grandes capitais. À frente do seu programa de governo
para a área econômica estarão dois companheiros do PT que já ocuparam cargos
de destaque: o paulista Antonio Palocci, exministro da Fazenda; e o mineiro
Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte.
Médico, 49 anos, ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP) e atualmente deputado
federal, Antonio Palocci Filho foi o primeiro ministro da Fazenda do governo
Lula. Apesar da inexperiência na área econômica, conquistou a confiança dos
meios político e empresarial ao implementar medidas que levaram à queda da
inflação, ao crescimento recorde das exportações e ao aumento do consumo.
Saiu chamuscado do governo, em março de 2006, sob a denúncia de ter
autorizado a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Ele
sofreu ainda outras acusações, mas nenhuma resultou em condenação.
*Projeto para tranquilizar sociedade e empresariado*
Agora ele faz parte do comando da campanha petista, com a responsabilidade
de desenhar uma proposta que mantenha os pilares da atual política do
governo Lula, mas afaste o radicalismo proposto pelo próprio PT, em seu
Congresso Nacional de fevereiro, para que não paire dúvidas na sociedade e
no empresariado, em especial: não há risco de retrocesso no modelo econômico
hoje em vigor no Brasil.
Em relação às ações voltadas para as populações das periferias dos grandes
centros, a précandidata Dilma contará com a colaboração do companheiro de
partido e amigo Fernando Pimentel. Os dois se conheceram no início dos anos
1970, quando lutaram em grupos distintos contra a ditadura militar.
Pimentel, como Dilma, ficou preso três anos entre 1970 e 1973. Hoje, também
é do comando da campanha de Dilma e terá grande influência na confecção do
plano de governo.
Antes de chegar à prefeitura de Belo Horizonte como viceprefeito, em 2001,
Fernando Pimentel, economista, 50 anos, foi secretário municipal da Fazenda
entre 1993 e 1996, na gestão do também petista Patrus Ananias. Em abril de
2003, ele assumiu a prefeitura de BH no lugar do prefeito eleito Célio de
Castro, que, doente, se aposentou.
Sua gestão foi marcada por grandes investimentos nas áreas urbana e social,
com destaque para um programa de urbanização de vilas e favelas, o Vila
Viva.
*'Confraria' de Serra contra estatais*
*Grupo próximo ao candidato defende Estado 'ativo', mas não produtor
*
Sérgio Roxo - SÃO PAULO
Discutir economia é uma atividade constante na vida do précandidato do PSDB
à Presidência, José Serra. O tucano conta com um grupo de especialistas que
são consultados para debater ideias, novos estudos e medidas para a área.
A "confraria econômica" do exgovernador de São Paulo é dominada por técnicos
que trabalharam no Banco Econômico de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e professores da Unicamp, onde Serra deu aula no final dos anos 70 e
início dos 80.
As conversas se dão por email ou em almoços. Muita vezes, o tucano pede aos
economistas de sua confiança levantamentos sobre determinado tema. Também
avalia sugestões apresentadas por eles.
Mas em certas ocasiões "espinafra logo de cara" e encerra discussões de
assuntos que considera "bobagens", conta um integrante da "confraria".
Contemporâneo de Serra na Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, de 67 anos, faz
parte do grupo de economistas ouvidos pelo pré-candidato. Classificado como
desenvolvimentista clássico, Belluzo foi secretário de política econômica do
Ministério da Fazenda no governo Sarney (19851990) e também tem boa relação
com o presidente Lula, chegando a ser consultado antes do anúncio de medidas
econômicas importantes durante o governo petista.
*Dar condições para o crescimento das empresas*
Também professor da Unicamp, mas de uma outra geração, Geraldo Biasoto Jr.,
de 48 anos, é hoje um dos economistas mais próximos do pré-candidato do
PSDB. Diretor-executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do
Estado de São Paulo (Fundap), deve ter papel importante na formulação do
programa de governo tanto na área macroeconômica como nas propostas de
desenvolvimento social.
Biasoto Jr. defende um Estado "ativo e presente" na gestão da economia, mas
não vê necessidade de criação de estatais para promoção do desenvolvimento,
por exemplo: mdash; A flexibilidade exigida hoje em dia não permite.
O economista afirma que cabe ao Estado reconhecer as potencialidades de cada
setor e viabilizar as condições para que as empresas possam se desenvolver.
Biasoto Jr. conheceu Serra, em 1998, por meio de um outro economista que faz
parte da "confraria": José Roberto Afonso, que trabalhou no BNDES. O tucano
era senador na época.
Também oriundo do banco, o deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas
(PSDB-ES) é outro economista que costuma ser ouvido pelo ex-governador.
Coordenador do programa de governo de Serra na campanha presidencial de
2002, ele concorda que o governo não precisa de novas estatais: — O debate
sobre a participação estatal foi resolvido há 25 anos no país.
Fonte: [historia_uerj]
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