Sítios arqueológicos da Amazônia correm risco de desaparecer

sábado, 20 de setembro de 2008


Achei muito interessante a fala do colega historiador e reproduzo aqui para vocês.

Sítios arqueológicos da Amazônia correm risco de desaparecer
Um vasto conhecimento sobre os primeiros habitantes da região amazônica pode
se perder para sempre por conta da ação humana desordenada na região.
Sítios arqueológicos lá existentes correm o risco de serem destruídos por
causa de atividades agrícolas, especialmente aquelas que levam à mecanização
do solo, desmatamento, desenvolvimento de pecuária - que implica no pisoteio
do sítio arqueológico pelo gado e normalmente também expõe os sítios ao uso
do fogo na limpeza de pastagens- implantação de grandes obras de
infra-estrutura etc.

Para Marcos Vinicius Neves, historiador e arqueólogo, atualmente exercendo a
função de diretor-presidente da Fundação Municipal de Cultura Garibaldi
Brasil, existe uma ameaça ainda mais perigosa do que essas de caráter físico
que são as oriundas daquilo que chama de má interpretação dos sítios. "Uma
divulgação de caráter sensacionalista atrai um tipo de público que não está
interessado na conservação dos sítios, mas sim em sua exploração
indiscriminada e feita sem critérios científicos para tirar deles o máximo
de proveito e lucro. Com isso passam a ser atraídos para esses sítios
pessoas místicas e aventureiros de todas as naturezas, além do que a
sociedade local cria uma imagem distorcida de sua existência e importância,
prejudicando sensivelmente os processos de educação patrimonial", explica

Segundo especialistas, outro risco iminente aos sítios arqueológicos é a
construção/pavimentação da BR-317, que ligará o Acre ao Pacífico e passará
pela área de maior concentração de geoglifos do Estado, trazendo consigo
todos os problemas que as estradas causam na Amazônia: desmatamento,
ocupação desordenada, entre outros.

Histórico - Descobertos em 1977 pelo professor Ondemar Dias e uma equipe do
Instituto de Arqueologia Brasileira do Rio de Janeiro, os geoglifos acreanos
são valetas escavadas na terra que formam figuras geométricas, como círculos
e quadrados, de dimensões e diâmetros variados. Em algumas regiões essas
figuras são ligadas por estradas, caminhos que atingem até três quilômetros
de extensão. Alguns arqueólogos acham possível utilizar esse termo -
geoglifo - para designar esse tipo de sítio arqueológico, enquanto outros
acham inadequado. "Usando um ou outro nome, o mais importante é o sentido
com que usamos tais nomenclaturas", diz Neves.

Os sítios apresentam ocorrência ampla, numa área que se estende do norte da
Bolívia até o sul do Amazonas, passando pelos vales dos rios Acre, Purus e
Iquiri no Estado do Acre. No sentido leste-oeste eles vão de Sena Madureira
até Rondônia. Por conta dessa dimensão territorial, muitos estudos ainda
estão sendo feitos na área. Até agora já foram identificados ao menos cem
estruturas desse tipo.

Dentre as possíveis explicações até agora aventadas para a utilização feita
dos geoglifos pelos habitantes do passado, destacam-se três: a primeira diz
que as estruturas de terra foram feitas para defesa os povos que ali
habitavam; outra sustenta que os sítios tinham função econômica
(determinadas técnicas de plantio ou criação de animais); e a terceira alega
que tinham finalidade simbólica para os povos que as construíram. Segundo
Neves, seria prematuro afirmar categoricamente qualquer uma dessas
alternativas como verdadeira. O momento é para novos questionamentos, e nem
mesmo o uso combinado das possibilidades acima descritas está descartado.

Para o arqueólogo, "é importante entender que o sítio arqueológico por si só
ou o material que nele ocorre são inexpressivos até que se realizem
pesquisas que valorem essas ocorrências. Entretanto, cabe ressaltar que
todas as atividades desenvolvidas pelos homens, qualquer ação que remova
material, que perturbe o contexto original de deposição do material
arqueológico no solo e o desmatamento dessas áreas que expõe os sítios a
processos de erosão mais intensos trazem prejuízos, muitas vezes
irreparáveis à possibilidade de estudo e interpretação deles pela ciência".

Conhecimento perdido - Com a destruição dos geoglifos, a perda de
conhecimentos a respeito da floresta seria significativa. Um extenso leque
de saberes sobre o funcionamento e melhor aproveitamento dos recursos da
floresta pode se perder, sem a devida compreensão dos Longos processos de
ocupação e transformação do meio em sua relação com as sociedades.

"Muito do que se pretende fazer na Amazônia já foi feito algum dia pelas
sociedades que aqui viveram nos últimos milênios: manejo florestal como
instrumento de conservação ambiental não é nenhuma novidade (apesar das
aparências contrárias). Dito de outra forma, as sociedades indígenas têm
direito à sua própria história, que não começa há apenas quinhentos anos e
isso tem sido sistematicamente negado por nossa sociedade. Com essas
pesquisas poderemos, enfim, aprender a viver melhor junto à floresta (o que
não é possível sem ela como acreditam alguns desenvolvimentistas)" fala
Marcos Neves.

O que fazer? - Uma das alternativas para evitar essa destruição dos sítios
seria o incentivo ao turismo arqueológico não predatório. Entretanto, mais
do que isso, se faz necessário um trabalho junto às comunidades locais que
enfatize a importância dos geoglifos como fonte de autoconhecimento delas,
de resgate de suas raízes, ao invés de enxergar apenas as possibilidades de
negócio envolvidas.

Neves alerta que para se abrir um desses sítios à visitação pública de forma
segura e sem depredá-lo é preciso primeiro um alto investimento em pesquisa
e implantação de infra-estrutura para a visitação (sinalização, passarelas,
cercas, etc.), "além de ser um trabalho de médio e longo prazo (com
objetivos de curto prazo a emenda pode sair pior que o soneto)".

Existe ainda o programa de Educação Patrimonial, que está em sua fase inicial de implantação por meio de ações isoladas e considera a necessidade de atingir as comunidades do entorno desses sítios, visando a sensibilizá-la para a importância histórica dos vestígios. O governo do Estado sinalizou alguns sítios ao longo da BR-317 com informações de contextualização e da legislação vigente. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Acre (IPHAN-Acre) produziu uma pequena cartilha situando corretamente as informações disponíveis acerca desses sítios. Mas tudo em caráter experimental. "Será necessária uma ampla articulação institucional (para evitar sobreposições e lacunas), bem como uma ação de longo prazo para que esse processo de Educação Patrimonial dê frutos consistentes", diz Neves. (Fonte: Filippo Cecilio/ Amazônia.org)