Médici queria revogar AI-5, diz ex-presidente da Arena

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008


*40 ANOS DO AI-5*

*Médici queria revogar AI-5, diz ex-presidente da Arena*

*General fez consultas, mas não encontrou nenhum apoio, diz Rondon Pacheco

Costa e Silva também queria extinguir ato outorgando uma nova Constituição
em 1969, mas adoeceu e foi afastado da Presidência*
Fernanda Odilla/Folha Imagem
*O ex-ministro e ex-governador Rondon Pacheco, em Uberlândia*

*FERNANDA ODILLA*
ENVIADA ESPECIAL A UBERLÂNDIA (MG)

*SOFIA FERNANDES *
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM UBERLÂNDIA (MG)

O general Emílio Garrastazu Médici assumiu a Presidência do Brasil em
outubro de 1969 disposto a revogar o AI-5, sigla que entrou para a história
como o ato institucional que escancarou a ditadura no país. Médici desistiu
da idéia e assumiu uma posição linha-dura tão logo constatou, em consultas
informais, que não teria o apoio de importantes aliados.

A cúpula das Forças Armadas achava cedo demais para extinguir o texto que
abriu a possibilidade de fechar o Congresso, permitiu intervenção do governo
federal nos Estados, institucionalizou a censura e suspendeu o habeas corpus
em casos de crimes políticos.

A primeira versão do AI-5, contudo, era muito mais radical. Extinguia o
Legislativo em todo país e fechava o Supremo Tribunal Federal. Essa versão
foi rechaçada pelo então presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969), que
exigiu um texto que não fosse "dose para cavalo" e só aceitou assiná-lo
porque temia ser deposto.

O autor dessas revelações, até hoje compartilhadas em detalhes somente com
poucos confidentes, é Rondon Pacheco, ex-chefe da Casa Civil do governo
Costa e Silva. Aos 89 anos, ele é a única testemunha viva que participou de
todo o processo de confecção do AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968.

Com as credenciais de quem redigiu o texto final do ato, ajudou a fazer uma
Constituição que facilitaria a revogação do ato em 1969 -mas não foi
outorgada porque Costa e Silva adoeceu- e participou da escolha da segunda
chapa presidencial depois do movimento de 1964, Pacheco revelou à Folha
bastidores daquele capítulo da história da ditadura brasileira.

"O presidente Costa e Silva me disse isso várias vezes em seus despachos,
que ele às vezes não dormia pensando nos problemas do outro dia", recorda
Rondon Pacheco, dizendo que Costa e Silva assumiu o governo gerenciando
problemas. Havia, segundo Pacheco, uma conspiração sendo tramada pelo
ex-governador Carlos Lacerda no Hotel Glória (RJ).

"Não foi um governo tranqüilo, apesar de estar perfeitamente
constitucionalizado", diz. Mas afirma que a Constituição de 1967 assustou o
autodenominado "governo revolucionário". Para o ex-chefe da Casa Civil, foi
a falta de habilidade política que transformou dois curtos discursos do
deputado Márcio Moreira Alves -que criticou militares no plenário da Câmara-
na maior crise do governo. "Coisa do Márcio, demagogo", avalia Pacheco.
Ofendidos, os militares exigiram a cassação do deputado. Pacheco conta que
Costa e Silva acordou uma solução intermediária para aprovar uma licença
para o deputado.

"Se tivesse havido a punição conforme já estava combinado, não teria havido
nada [o AI-5]", sustenta. Mas o ministro Gama e Silva (Justiça) decidiu, à
revelia, trocar os integrantes da comissão que analisava o caso para aprovar
a cassação. O ministro só não foi demitido porque era amigo do presidente,
segundo Pacheco.

A cassação, contudo, foi rejeitada pelo plenário da Câmara por 216 votos a
141, conforme ata da sessão de 12 de dezembro de 1968. Diante da derrota no
Congresso, as condições para um golpe dentro do golpe estavam postas, na
visão do governo. O presidente tomou a decisão de "nada decidir" naquela
noite de quinta-feira. Nem sequer recebeu companheiros de farda, que já
tramavam uma proposta para reforçar o poder das Forças. Convocou reunião
para as 11h.

Na manhã daquela sexta-feira 13, começava a fase mais dura da ditadura
brasileira. "Tudo foi decidido pela manhã. Quando foi para o Conselho
[Nacional] de Segurança, o problema já tinha sofrido um despacho saneador do
presidente", recorda o ex-ministro.

Foi convocado para a reunião um seleto grupo que ouviu do presidente a
intenção de fechar o Congresso e editar um ato semelhante ao AI-1, que
permitiu a cassação e suspensão dos direitos políticos de quem era contra o
sistema.

"Gama e Silva estava muito agitado. Isso eu notei. Ele chegou, sentou na
cadeirinha do ministro da Justiça e disse: "O ato, presidente, está pronto".
Ele estava certo que ia fazer o presidente engolir o ato", revela Pacheco. A
primeira versão do AI-5 proposta "era um ato terrível", nas palavras de
Pacheco. Demitia todos os ministros do Supremo, dissolvia o Congresso e
todas as Assembléias Legislativas. A intervenção federal seria no país
inteiro, inclusive com a indicação de todos os prefeitos.

Rondon Pacheco guarda na memória detalhes daquela primeira reunião do dia no
Palácio das Laranjeiras, mas revela ojeriza à versão ultra-radical do AI-5
lida por Gama e Silva. Diz que não quer nem saber que fim levou aqueles
papéis.

Antes de vetada pelo presidente, a primeira versão dividiu os seis
integrantes da reunião (veja quadro). A nova proposta foi apresentada no
início daquela tarde. Caberia a Rondon Pacheco elaborar o texto final. "O
Gama e Silva levou um projeto e eu fui expurgando".

Enquanto fechavam o texto, chegaram os membros do Conselho Nacional de
Segurança para a reunião das 17h, que sacramentou o AI-5. O vice-presidente
Pedro Aleixo, segundo Pacheco, trouxe uma proposta para decretar o estado de
sítio e uma carta de renúncia, se Costa e Silva desistisse.

Costa e Silva permaneceu no poder, mas elaborou um plano: a outorga de uma
nova Constituição permitiria acabar com o AI-5 no dia 7 de setembro de 1969.
Mas adoeceu e foi afastado do cargo dez dias antes de executar o cronograma.

O presidente que sucedeu Costa e Silva também pensou em pôr fim ao ato,
afirma Pacheco: "O Médici quis revogar o ato e não teve apoio. O Exército
achava cedo". Escalado por Médici para presidir a Arena e depois governar
Minas, Pacheco conta que o presidente recém-empossado fez consultas sobre o
assunto. "Médici achou que talvez fosse melhor fazer o teste: revogar o AI-5
para ver se eles paravam com a agitação." Mas o teste nunca foi feito.
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Fabrício Augusto Souza Gomes
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