Cartas de Jango criticam "quartelada" de 64

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008


*Cartas de Jango criticam "quartelada" de 64*

*Do exílio, presidente deposto enviou correspondência de agradecimento a argentinos e ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner

Nas mensagens, Goulart criticava a "ditadura" e também o comunismo, que "não
resolverá jamais os problemas que nos afligem"*

DA SUCURSAL DO RIO

No exílio, João Goulart manteve intensa correspondência com amigos e aliados
políticos, que lhe passavam informações sobre a conjuntura do país, sempre
com a intenção de voltar ao Brasil, principalmente nos primeiros anos após o
golpe militar de 1964.

Como se trata do arquivo do ex-presidente, naturalmente poucas são as cartas escritas por Jango que restaram. Há rascunhos de mensagens, por vezes em blocos improvisados de hotéis ou folhas de caderno.

Os primeiros registros do CPDOC são de abril de 1964, logo após a chegada ao Uruguai. Em carta que não tem sua caligrafia e foi provavelmente ditada, ele chama o golpe de "quartelada" e o governo de "ditadura". Sua provável letra, porém, aparece em retificações.

"Dirijo-me do exílio ao povo brasileiro nesta hora de angústias e sofrimentos. Deposto por um golpe de força, observo, entristecido, cair a máscara do grupo militar que assaltou o poder. Instalaram um governo ficticiamente constitucional e, desde a quartelada, nenhuma medida a favor do povo foi posta em prática", escreve. Em um dos trechos, substitui "desesperança" por "tristeza".

Ao chegar ao Uruguai, enviou cartas de agradecimento, "pelo apoio", "a todos os argentinos" e ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner. É possível ver on-line o documento em que recebe o asilo político do governo uruguaio, de 21 de abril de 1964.

Em outro rascunho, reclama a restauração das liberdades. "Não está em jogo a minha pessoa, meu prestígio pessoal ou meu futuro político. (...) Sinto-me no dever e na responsabilidade de lutar, democraticamente, para restabelecer as liberdades suprimidas e as garantias aos humildes."

Recebia de aliados relatórios militares de inteligência, caso de documento sobre o Uruguai supostamente confeccionado pelas Forças Armadas.

A coleção contém o inquérito policial militar a que respondeu por supostos crimes contra a segurança do Estado e a ordem política e social. Seria julgado, entre outras coisas, "por tentativa de subversão da disciplina e hierarquia" e por ter usado as Forças Armadas na proteção de comícios, "onde a propaganda comunista foi clara, aberta e ostensiva".

Em cartas, entretanto, ataca o comunismo que era acusado de defender -"se o comunismo, que todos condenam, não resolverá jamais os problemas que nos afligem, não serão os fracos processos das direitas (...) que irão fornecer solução aos nossos problemas"- e critica o embaixador norte-americano, Lincoln Gordon.

Cartas de populares com pedidos e manifestações de solidariedade também foram guardadas, como a de uma mulher que lhe pede "mil cruzeiros novos" (cerca de R$ 5.900 em valores de hoje). Muitas cartas eram respondidas, segundo os pesquisadores do CPDOC.

----
Fabrício Augusto Souza Gomes